Cultura

Memória escrita com as unhas

Muitos de vocês sabem que, anualmente, 27 de janeiro é o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

A data foi estabelecida pela Assembléia-Geral das Nações Unidas para relembrar os milhões de vítimas sistematicamente perseguidas, presas e transportadas para campos de extermínio por ordem de Adolf Hitler.

Representa também uma maneira simbólica de prestar homenagem àqueles que arriscaram suas próprias vidas para salvar judeus da morte quase certa sob o regime nazista.

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Fotos: Alfredo Santucci

Não sei se esse tema é particularmente lembrado no Brasil, mas aqui na Itália, até pela proximidade geográfica com a Alemanha, a mídia ainda dedica espaço às muitas vítimas italianas do Holocausto.

A Itália é um país que sofreu muito com a Segunda Guerra Mundial e que possui uma relação controversa com os alemães. Entrou no conflito ao lado deles e, em seguida, aliou-se aos países que incialmente eram os seus adversários.

Durante a guerra, um dos episódios que melhor descrevem a rivalidade histórica entre italianos e alemães é aquele conhecido como o massacre de Fossa Ardeatina.

Em março de 1944, rebeldes italianos assassinaram 33 soldados nazistas que, em nome da própria honra, declararam que para cada alemão assassinado seriam fuzilados outros dez italianos.

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As vítimas foram escolhidas aleatoriamente. Algumas delas eram civis, outros cidadãos judeus, e muitos prisioneiros politicos encarcerados em um prédio de quatro andares da famosa Via Tasso, hoje transformado em um comovente museu, tema desse post.

Logo após a morte do ditador fascista Benito Mussolini, os alemães invadiriam o país, em junho de 1943, para evitar a expansão de ingleses e americanos.

Essa ocupação acabou fortalecendo o multiplicar-se de movimentos rebeldes que lutavam pela retirada das tropas nazistas da Itália; o período conhecido como Resistenza e que, até hoje, é lembrado na música italiana Bella Ciao.

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Para aqueles que quiserem saber mais sobre o assunto, sugiro que assistam Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosselini, um filme neorealista que começou a ser gravado poucos meses antes da saída dos soldados germânicos.

Um de seus protagonistas, o personagem do pároco Don Pietro, é inspirado na vida real de Giuseppe Morosini, padre que tornou-se um porta-voz do movimento de resistência dos “partigiani” e, por isso, fuzilado na Fossa Ardeatina.

O chamado Museo della Liberazione, que fica no número 145 da Via Tasso, no bairro Esquilino, era a antiga sede cultural da Embaixada Alemã em Roma.

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Um lugar que, durante o período nazista, foi transformado em sinônimo de reclusão e tortura.

Sob o comando do capitão da SS, Herbert Kappler, todas as janelas do prédio foram muradas para que nem mesmo um raio de luz pudesse entrar nelas.

A luz elétrica foi desativada e os prisioneiros dormiam no chão dos apartamentos.

Ali dentro, as regras eram muito severas. Era proibido ler, escrever e conversar. Muitos prisioneiros comiam somente pão, eram torturados e colocados em celas segregadas nas quais, ainda hoje, você encontra palavras e pensamentos escritos nas paredes com pregos ou com as unhas.

Cada um deles tentava registrar nas paredes o passar dos dias para não perder a noção do tempo.

Lá foram reunidos objetos como cartas escritas de maneira escondida e nunca enviadas de quem, apesar da dor física e moral, tentava tranquilizar os parentes sobre a própria condição.

O Museo della Liberazione também reúne exemplos de manifestos clandestinos da época, alguns objetos pessoais e lembranças emocionantes como um pão no qual um prisioneiro, antes de morrer, escreveu a frase: ”coraggio, mamma!”, ou um pé de meia no qual outro prisioneiro deixou a sua mensagem.

Claro que esse não é um passeio alegre, mas um momento para refletir.

Conservar a memória de quem foi assassinado simplesmente por possuir uma origem diferente, ou pagou o seu ideal de liberdade com a própria vida é, no mínimo, um dever moral.

Existem pessoas que ainda hoje duvidam sobre a existência do Holocausto e o proliferar-se de partidos xenófobos no velho continente nos faz pensar que temos memória curta.

Anteontem mesmo, em Roma, a sinagoga da cidade recebeu um pacote enviado pelos correios com a cabeça de um porco dentro. Um ato deplorável.

O ingresso para o Museo della Liberazione é gratuito e o local permanece aberto de terça a domingo, das 9h às 12h30 e das 15h30 às 19h30.

Para quem não sabe, o nome do museu deriva da data de 25 de abril, quando a Itália foi liberada da ocupação nazista.

 

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