expatriado brasileiro
DiárioSexto Sentido

Quando você deixa de ser um expatriado?

Por convenção ou na convicção de fazer melhor, para a maioria das pessoas o 31 de dezembro é a época de um balanço. Para mim a data sempre representou algo significativo. Foi no último dia do ano que me mudei definitivamente para a Itália, em 2001.

Nunca marquei a data no calendário, mas na memória sim. De lá para cá, era inevitável não associar o 31 de dezembro com a distância do Brasil, com os avanços conquistados ou com retrocessos amargos, com a saudade da família, dos amigos, com as constantes comparações, com a identidade híbrida de quem está com os pés de cá e o pensamento de lá, com os aniversários perdidos, com as aventuras e desventuras. Foi assim nos últimos 15 anos.

Acontece que no último dia 31 de dezembro a data passou em branco. Só me lembrei dela dias atrás, quando tirei da cozinha o calendário pendurado na parede para substituí-lo com a nova edição de 2018. Talvez tenha sido um simples lapso de memória, ocupada com os preparativos das festas de final de ano. Talvez seja só a evolução natural da minha condição; aquela de quem já passou mais de 1/3 da própria vida longe de seu país de origem.

Não gosto de etiquetas, nem daquelas com acepção positiva do tipo “bem integrada” ou “imigrante por escolha”. Também não vejo a necessidade de sublinhar minha brasilidade na Itália ou minha italianidade no Brasil. Ambas culturas, obviamente, plasmaram a minha identidade e não posso desassociá-las. Vale lembrar que é possível sentir-se um exiliado em seu próprio país, por diferentes motivos; diversidade de comportamento, de pensamento. Por acreditar. Por desacreditar.

A adaptação não acontece da noite para o dia e até hoje algumas situações italianas ainda geram a minha perplexidade. Só que, paralelamente, assimilei outros hábitos e costumes que tornaram-se tão fisiológicos ao ponto de passarem despercebidos. Adquiri manias, incorporei gestos, troquei de opinião, mudei minha forma mentis, conquistei novos amigos.

O que aprendi é que você não se torna uma pessoa nova ao adquirir formalmente e juridicamente uma cidadania. Existirá sempre uma “fratura” não só geográfica, mas de identidade, entre dois mundos. Como expatriado você estará metaforicamente sentado em uma gangorra que oscila entre uma cultura e outra, um idioma e outro, uma casa e outra.

Com o tempo, parei de fazer confrontos e analogias, de ou situar o Brasil e a Itália em polos opostos, de dividir o meu percurso de vida de maneira maniqueísta. O mal não existe só em terra verde e amarela e o bem não é algo intrínseco a todas as situações tricolores. Não há felicidade só do lado de lá ou do lado de cá.

Ser um expatriado comportará sempre uma experiência com um quê de nostalgia, mas você pode atenuá-la se não passar os dias tentando equilibrar a balança entre o que perdeu deixando para trás e o que ganhará olhando para frente.

Respondendo ao título desse post, acho que você não deixa de se sentir definitivamente um expatriado. Você conquista novas referências e recusa outras, mas sempre haverá momentos nos quais se sentirá como alguém que veste roupas não suas; mais largas, mais estreitas, mais curtas. Momentos assim passam e antes do dia acabar o relógio segue o seu tique-taque, o sol se põe, as estações mudam, os filhos crescem.

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