O convento de Trinità dei Monti e as ilusões óticas das anamorfoses
Conhecer o convento da Santissima Trinità dei Monti era algo que tinha em mente há muito tempo. Ficava de olho no site da igreja e cheguei a enviar e-mail diversas vezes à direção eclesiástica, pedindo informações sobre possíveis passeios ao local.
A questão é que se trata de um lugar onde ainda hoje reside uma comunidade monástica e por isso o acesso ao convento é limitado a datas específicas e segue regras rígidas. Roma pode ser bem burocrática e pouco elástica deve ponto de vista. Muitas vezes, até bater uma foto pode gerar discussões. Já estivemos em igrejas nas quais se o almoço era previsto ao meio-dia e às 11:50 fomos “gentilmente” seguidos por um funcionário impaciente e com olhar de reprovação.
Conseguimos visitar o convento no início de junho e confesso que foi uma experiência emocionante. A maioria dos turistas que passam pela Piazza di Spagna em Roma ficam fascinadas com a beleza da Barcaccia, a fonte de Bernini, e com os 132 degraus de mármore das escadarias que já foram palco de desfiles de moda, cenas de cinema, exposição de azaleias e até de um concerto de música clássica.
Subindo a Scalinata di Trinità dei Monti nosso olhar é capturado pela fachada da igreja – ainda hoje sob os cuidados da França – e por suas torres aparentemente gêmeas, mas na verdade diferentes porque uma possui um relógio com ponteiros e a outra uma meridiana.
No interior da igreja todo mundo fica boquiaberto diante dos afrescos de Daniele da Volterra, aluno de Michelangelo, mas são as paredes do convento aquelas que escondem pinturas enigmáticas que desafiam a nossa imaginação.
O terreno onde encontra-se o convento foi comprado pelo rei da França para a Ordem dos Mínimos, uma comunidade de frades eruditas (entre eles artistas e cientistas) que seguia o ideal da austeridade. Guiada por São Francisco de Paula, viviam em um clima de Quaresma perpétua.
O sonho de São Francisco de Paula era encontrar um lugar tranquilo, silencioso, para construir o seu convento. Na época, ele não imaginava que os seus ideais de penitência, humildade e caridade pudessem, nos dias de hoje, poderiam parecer em contraste com o luxo de um imóvel de prestígio localizado na colina do Pincio.
Entrando no convento, o primeiro ambiente que encontramos é o seu claustro totalmente decorado com um ciclo de pinturas de 1579-1584 que contam episódios da vida de São Francisco de Paula, seus milagres e a ligação entre os frades e a corte da França.
O rei Luís XI ficou doente e na esperança de ser curado convocou o santo, conhecido por seus poderes de milagreiro. A surpresa é que o rei teria sarado não no corpo, mas na alma e para agradecer o acontecimento o filho Carlo VIII financiou a construção do convento em 1494. Do claustro, subindo escadas se chega até uma pequena capela dedicada a Mater Admitabilis e, em seguida, até o grande “coup de théatre”: as raras anamorfoses.
Se trata de ilusões óticas da pintura que mesclam geometria, matemática e perspectiva. Entramos na sala em silêncio e com passos aveludados. Caminhando em fila pelo lado direito é possível apreciar melhor da técnica de distorção da imagem que funciona como uma linguagem a ser decifrada.
No convento moravam dois religiosos – Padre Emmanuel Maignan e o seu discípulo Padre Jean Francois Niceron – ambos interessados na ótica e na perspectiva. Aproveitando os próprios conhecimentos, eles realizaram duas anamorfoses e um astrolábio.
A primeira anamorfose, em branco e preto, é a mais espetacular e se transforma sob os nossos olhos. Se observada da esquerda para a direita a imagem mostra São Francisco de Paula que reza. Ao contrário, da esquerda para a direita, o que vemos é uma paisagem: o santo que atravessa o estreito de Messina, na Sicília.
A outra anamorfose a cores – provavelmente a primeira ser realizada – retrata São João Evangelista que escreve o livro do apocalipse. Já a visão frontal da pintura mostra uma paisagem da ilha de Patmos, local onde ele teria tido uma visão de Cristo. Em uma outra sala fica uma meridiana de 18 metros de comprimento. Como s reflexos dos raios do sol, ela servia para calcular o tempo em terras longínquas.
Quando você chega a conclusão que para contemplar tanta genialidade a espera valeu mesmo a pena outra surpresa: o refeitório do convento e seus afrescos em trompe-l’oeil que simulam paisagens e pórticos que só podem ser notadas do centro do salão.
Nesse ambiente o jesuíta Andrea Pozzo realizou pinturas que contam o episódio bíblico da transformação da água em vinho e ironicamente, os frades que obedeciam uma rigorosa e restrita dieta alimentar, alimentavam-se observando imagens de um suntuoso banquete. Será uma ilusão, mas nós também saímos de lá saciados não com comida, mas com a beleza.
Informações: O Convento de Trinità dei Monti não está sempre aberto ao público. Para visitá-lo é preciso unir-se a uma das associações que organizam visitas em grupo graças a uma com permissão especial. Nós reservamos o passeio (somente em língua italiana) com La Bellezza dell’Arte. Fique de olho no site deles para futuras iniciativas.