A difícil tarefa de educar filhos (no exterior)
Todos aqueles que se tornaram pais ou mães sabem que o processo de paternidade ou a maternidade é algo que vai muito além de uma ligação biológica.
Talvez muitos não concordem com essa afirmação, mas desmistificando a clássica imagem de maternidade perfeita, acredito que gerar uma nova vida também signifique metabolizar um luto.
De uma certa maneira, deixamos de ser filhos, invertemos a pirâmide de nossas prioridades, colocamos as nossas roupas e sentimentos do avesso e enfrentamos, diariamente, uma batalha com as nossas fragilidades e limitações.
Podemos comprar prateleiras de livros de pseudo gurus prontos a detalhar as vantagens das fraldas laváveis em relação aquelas descartáveis ou a importância de esterilizar – até a desmaterialização – a chupeta de seu filho.
Podemos comprar o último modelo de carrinho de bebê e desfilar por aí com esbanjando autoconfiança, mas dentro de quatro paredes o discurso é outro.
O que nenhum manual explica é que não existem respostas prontas ou fórmulas resolutivas para as inúmeras situações que nós, pais ou mães, enfrentamos cotidianamente.
Quando você se torna pai ou mãe vivendo no exterior – longe de sua família de origem e sem aquela rede de auxílio formada por amigos e parentes- a primeira sensação que te envolve é aquela de desorientação.
Um ser frágil e pequeno precisa exclusivamente de você, física e emocionalmente.
Não há ninguém que possa te substituir e os seus conflitos interiores são só seus e de mais ninguém.
Não há tempo material de refletir sobre suas escolhas e você acaba interpelando a própria memória.
Tenta resgatar lá longe os hábitos e comportamentos de sua mãe, de sua tia, de sua avó.
Consciente ou inconscientemente, você se pega repetindo o refrão de uma velha cantilena que pensava ter esquecido.
Percebe que há mais dos seus pais em você mesmo do que jamais havia imaginado.
Entre uma mamadeira e outra, entre uma fralda e outra, aprende que você é a sua melhor companhia e que, sim, o seu instinto pode falhar.
Em momentos como esse, você apela para o telefone. Pede conselhos mas quando coloca o aparelho no gancho engole o choro e percebe que essa luta é mesmo só sua.
Você, que sempre foi eficiente no escritório, se sente impotente diante de tarefas aparentemente banais.
Troca o dia pela noite, oferece para a criança uma mamadeira a mais ou a menos, desconfia de sua capacidade de compreensão da bula do antitérmico, esquece de almoçar, fica quinze dias sigilado em casa porque a catapora é contagiosa e não há avós ou amigos íntimos por perto que possam te socorrer.
Dia após dia aquele serzinho começa a crescer e com esse processo nascem mais dúvidas e perplexidades.
Decidir se ensinar a ele a sua língua ou o idioma do país no qual vive e é só um dos infinitos dilemas que você e seu parceiro assumem sozinhos.
Os méritos e os deméritos de todas as decisões são exclusivamente seus.
Os erros e acertos são só seus.
Nenhum avô oferecerá a ele o chocolate antes do jantar ou o pegará na saída da escola quando o seu ônibus atrasar.
Você aprende com ele repetindo a lição de história de uma nação que não é a sua, renuncia ao cinema, ao teatro e ao café com as amigas para assistir o mesmo desenho animado pela décima vez.
Quando volta para casa exausto, depois do trabalho, nunca encontrará a papinha que sua mãe deixou pronta no congelador.
Você se esforça para ensinar a ele o respeito pelas diferenças e se emociona ao ouvi-lo cantar, sem titubear, uma de suas canções preferidas em português.
Você disfarça ao notar que no tão esperado espetáculo de balé avós e primos não estarão presentes. Esconde o desapontamento por não poder encher a casa de parentes no dia de seu aniversário.
Você inventa respostas para as perguntas que não sabe mesmo responder, escaneia orgulhosa o boletim que os avós receberão por e-mail e não tem para quem pedir colo quando, vira e mexe, discute com o parceiro.
Você faz de conta que a gripe não é tão insuportável assim e sai de casa do mesmo jeito para comprar um simples pacote de figurinhas.
Você segue adiante assim, como um equilibrista.
Olha para baixo e por segundos pensa no medo de cair.
Em seguida desvia o olhar para o céu e percebe que, apesar das incertezas, o importante é continuar caminhando. Porque do lado oposto da corda existe alguém que confia imensamente em sua ilusória onipotência. E va bene così.
Muito interessante o texto! E muito verdadeiro! Nunca me senti tão impotente e frágil como quando tive meus filhos. Imagino que essas sensações sejam ainda mais intensas quando se está em outro país e longe da família e dos amigos.
Muito obrigada, querida!
Adorei o artigo sobre os filhos. Mas apesar de todas as incertezas são pequenos seres que mudam nossas vidas para sempre. E hoje nem pensamos em como era antes deles. Porque parece que nossa vida recomeçou depois do nascimento deles.