Itália feita de italianos. O remédio eficaz contra o coronavírus
A notícia do fechamento provisório das escolas em todo o território nacional chegou no final da tarde. Foi anunciada depois de um curto-circuito na mídia e às vésperas da inauguração, em Roma, de uma importante mostra dedicada a Rafael Sanzio, um dos gênios italianos da Renascença. O pintor morreu jovem, aos 37 anos, mas colecionou, em seus poucos anos de vida, um “portfólio” invejável.
Entre suas tantas obras famosas, uma das mais admiradas sempre foi A escola de Atenas, que encontra-se nos Museus Vaticanos. Trata-se de um dos painéis que compõem o grupo de quatro afrescos que retratam ramos distintos do conhecimento, como a filosofia.
Na pintura, Platão tem o rosto de Leonardo da Vinci, Euclídes é Bramante e o afresco tem até o próprio rosto de Rafael. Gênios indiscutíveis.
Então a pergunta é espontânea. Se vivesse nos dias de hoje, ele também representaria com rostos sábios aqueles que se sentam nas mesas ovais para decidir o futuro de muitas nações em tempos de epidemia de Covid-19?
A mídia internacional divulga, continuamente, manchetes dedicadas ao “caso italiano”, mas acho importante não separar os fatos de um contexto que, inclusive, supera as fronteiras tricolores.
O governo italiano sublinha que o fechamento das escolas, assim como a restrição de eventos públicos que comportem aglomeração, são medidas de precaução.
A hipótese de um aumento exponencial dos casos de contágio comportaria, inevitavelmente, o colapso do sistema sanitário. Atualmente, faltam na Itália 8 mil médicos e 35 mil enfermeiros e nesse momento de crise até aqueles aposentados estão oferecendo a própria ajuda à saúde pública.
As instituições de ensino deverão fechar suas portas até 15 de março, mas por enquanto só 10% das escolas do país estão preparadas para oferecer alternativas como o ensino à distância.
O governo também estuda a possibilidade de conceder subsídios a famílias que necessitem de uma babá nos dias de fechamento das instituições de ensino e home office para empregados do setor público.
Segundo os dados divulgados pelo Ministério da Saúde (no dia 7, às 18h, hora italiana), são 5061 as pessoas que resultaram positivas ao coronavírus. Destas, 1843 estão em isolamento em suas próprias casas. Outras 567 encontram-se na UTI, enquanto o número de pessoas falecidas (a maior parte em idade avançada, média de 81 anos, e já com outras patologias) chega a 233.
A Itália está sob os holofotes da mídia, mas não é o único país onde as estatísticas causam preocupação.
A Organização Mundial da Saúde informa que o coronavírus já atingiu 80 países e que a taxa de mortalidade mundial provocada pelo Covid-19 é de 3,4%, superando aquela da gripe sazonal, com menos de 1%.
Cresce também o valor de pacientes totalmente curados na Itália, 589 (no dia 7 de março), mas o eco dessa notícia parece não ser tão potente quanto aquele de títulos alarmantes.
Quem ganha e quem perde com as limitações impostas às viagens e à liberdade de circulação?
No equilíbrio precário da geopolítica internacional, a Itália está caminhando na corda bamba, sem saber se do lado oposto, aquele das instituições europeias, terá o respaldo necessário para “cair em pé”.
Ao que tudo indica, a UE autorizará o país a superar as rígidas regras orçamentárias europeias, elevando o seu déficit até 0,2 % do PIB (cerca de 3,6 bilhões) para garantir liquidez a setores estratégicos da economia já penalizados pelo “efeito coronavírus”.
Para muitos, a transparência na divulgação dos dados e o excesso de zelo do governo italiano no controle da fileira do contágio representam uma faca de dois gumes.
A Itália ganha credibilidade, mas em termos financeiros perderá muito. O turismo será um dos setores mais afetados no país. Os últimos dados da Confturismo-Confcommercio estimam, de 1 março até o final de maio, 31,6 milhões de turistas em menos, com um dano econômico de aproximadamente 7,4 bilhões.
Vale lembrar que a Itália é a nação com o maior número de sítios classificados pela Unesco como como patrimônio da humanidade, 55, o que torna o país um dos mais atraentes para os viajantes.
Ao que tudo indica, as exportações também não sairão ilesas da crise provocada pelo Covid-19, principalmente aquelas de produtos made in Italy destinados ao mercado chinês. Só o setor dos vinhos sofreu um decremento de – 11,9% em janeiro.
As exportações de excelências gastronômicas italianas, já penalizadas pelo recente incremento dos impostos em países como os Estados Unidos, correm o risco de uma nova retração.
Lombardia, Vêneto e Emilia Romanha, as regiões onde concentram-se o maior número de casos de coronavírus, também famosas por seus produtos enogastronômicos, representam, juntas, cerca de 40% do PIB nacional.
A associação Confcommercio estima, no país, perdas econômicas que oscilam entre 5 e 7 bilhões de euros, caso a crise dure até o final de maio.
Por aqui, a sensação é que a Itália e os italianos foram, contra a própria vontade, encapsulados em uma camisa de força, material e econômica.
As últimas recomendações, justamente, pedem para que apertos de mão, abraços e beijos ao cumprimentar-se sejam substituídos por uma distância mínima e prudente de pelo menos um metro de seu interlocutor.
Para as pessoas mais idosas, recomenda-se um período de reclusão em casa. Em outra palavras, um esforço para italianos, naturalmente predispostos a demonstrações físicas de afeto e ao hedonismo.
Mesmo assim, a malincuore (relutantemente), a Itália responde a essa exigência comedida, com sobriedade.
Se Rafael Sanzio ainda estivesse entre nós lembraria, em retratos, que italianos foram feitos para explorar, como Marco Polo, para criarem, como Leonardo da Vinci, para acreditarem no poder revolucionário da cultura, como Lorenzo de’ Medici, para unirem um país, como Garibaldi, para fazerem sacrifícios em nome de um ideal, como Antonio Gramsci, para demonstarem que mulheres contam tanto quanto homens na ciência, como Rita Levi Montalcini e Margherita Hack, para investirem em uma Itália plural e em um projeto de educação alternativa, como Maria Montessori, para sublinharem que “loucura” combina com genialidade, como Alda Merini, para proporem projetos industriais visionários, como Enzo Ferrari e Adriano Olivetti, para difundirem beleza, como Renzo Piano e Ennio Morricone, para provarem que nem o céu é o limite, como a astronauta Samantha Cristoforetti, e até para terem coragem de relatarem o medo e o horror, como Primo Levi.
Se italianos já superaram duas guerras mundiais, o período obscuro do fascismo e o alternar-se de 66 governos desde 1946, ano de nascimento da República Italiana, não será a metafórica camisa de força, nem o coronavírus, a mudarem a “fisionomia” e a rotina de um país.
Texto informativo e lindo sobre um assunto tão importante. Parabéns!
Obrigada querida!