machismo visto da Itália
DiárioSexto Sentido

O machismo visto daqui da Itália

A repercussão internacional do estupro coletivo de uma brasileira coincidiu com uma outra barbárie aqui do outro lado do mundo: a morte de uma italiana de 22 anos cujo corpo foi incendiado pelo ex-namorado, por ciúmes.

A violência contra mulheres é um fenômeno global, que não distingue nacionalidade, idade ou classe social.

De acordo com os dados divulgados pelo Istituto Nazionale di Statistica (Istat) em 2015, cerca de 652 mil mulheres com idade entre 16 e 70 anos foram vítimas de estupro na Itália, enquanto outras 746 mil conseguiram escapar de uma tentativa de estupro.  Falei sobre a condição feminina italiana aquiNo Brasil, estima-se que uma mulher é estuprada a cada três horas.

Aqui na Itália a brutalidade da agressão e as manifestações contra a cultura do estupro foram quase superadas pelo eco de outra notícia, aquela do porque muitas mulheres não se solidarizaram com a vítima.

machismo visto da Itália

A explicação mais evidente para justificar aqueles que simpatizaram com tal comportamento foi que a garota não se enquadra nos moldes de uma  “mulher de bem”. Vale lembrar que semanas antes desse episódio o Brasil dividiu-se diante de outra polêmica, aquela dos adjetivos bela, recatada e “do lar” utilizados para classificar Marcela Temer.

Aqui do outro lado do globo, uma notícia pouco comentada foi o fato que uma mulher, a diretora do canal 3 da TV estatal, a RAI, teria sugerido a maquiadores e figurinistas a redução do uso de decotes, roupas modeladas, saltos no visual das apresentadoras dos programas do canal. O corpo e seu poder de sedução associado à qualidade ou não do conteúdo.

Itália, machismo e mulheres

O machismo nosso de cada dia é uma erva daninha que não reconhecemos exclusivamente em um rosto masculino. É algo que permeia os nossos discursos, que condiciona o nosso estilo de vida, que nos impede de fazer escolhas, até aquelas mais simples. Dia após dia.

A persistência da violência contra mulheres, inclusive aquela verbal, está presente em todos os lados, nas etiquetas e clichês com as quais convivemos cotidianamente. Quando uma jovem decide viajar sozinha. Na manhã que saímos de shorts para comprar o pão. No momento em que optamos por ter um filho aos 20 ou aos 50 anos, custe o que custar. No dia em que uma mulher decide, orgulhosamente, não ter filhos. Na ocasião em que é obrigada a escolher entre família ou trabalho. Por ter cabelos curtos demais para uma menina ou longos demais para uma certa idade. Por ser obrigada a justificar o motivo pelo qual usa ou não usa um véu na cabeça. Por professar uma religião ou por ter como único “farol” a ciência.

Por amar um homem bem mais jovem ou bem mais velho. Por amar outra mulher.

Tv Italiana, RAI

No país ideal de mulheres belas, recatadas e do lar, cesáreas são a regra e não a exceção. Aborto é uma palavra tabu. Músicas que descrevem a figura feminina com palavras ofensivas não escandalizam. Corpos que na TV funcionam como objeto de erotismo não geram mal estar. Magreza, pele branca e cabelos lisos imperam nas capas de revistas de um país com população multicultural.

Se a nossa sociedade pudesse se olhar no espelho provavelmente não se reconheceria na imagem de um ser deforme, patriarcal, sexista e misógina.

O endurecimento da pena prevista para condenados por estupro coletivo não basta. É preciso provocar uma revolução cultural, incentivar a discussão da igualdade de gênero e sexualidade nas escolas.

good night stories for rebel girls

Um exemplo recente de como os paradigmas femininos podem ser invertidos é o projeto de uma start-up italiana. A empresa com sede em São Francisco é chamada Timbuktu Labs e recolheu meio milhão de dólares graças a uma iniciativa de crowdfunding.

Suas fundadoras, Elena Favilli e Francesca Cavallo, lançaram o livro em inglês Intitulado Good night stories for rebel girls. A obra é composta por fábulas nas quais as personagens femininas não são princesas com sapatinhos de cristal a espera de um príncipe, mas 100 mulheres reais – do passado e do presente – que se viram muito bem sozinhas.

Se não nascemos mulheres, mas nos tornamos mulheres, assim como sustentava Simone de Beauvoir, e se o gênero é mesmo o resultado de construções sociais, talvez nem tudo esteja perdido. Ainda estamos em tempo de mudar. Nenhum destino biológicoe nenhum tipo de imposição pode decidir a nossa identidade e o papel que ocupamos na sociedade.

 

 

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *