Emocione-se com o poder da gentileza em suas viagens
O mundo tornou-se palco de crimes provocados pela espiral do ódio. Não há latitude imune à violência, seja ela física, verbal ou psicológica. O alvo é o “diverso”, seja esse encarnado na figura de uma mulher, em um sotaque estrangeiro, em uma pele mais clara ou mais escura, em um corpo que não enquadra-se nos clássicos padrões de beleza, em uma sensibilidade, segundo muitos, incompatível com o sexo masculino.
A sensação é que estamos vivendo em uma sociedade capaz de legitimar pensamentos que décadas atrás beiravam o impronunciável. Que a agressividade corra nas veias e que a desconfiança tape os nossos olhos, inclusive em um país considerado uma “ilha feliz” como a Nova Zelândia ou em uma nação pacífica como a Holanda.
Os haters de multiplicam. O horror vira notícia, exerce um fascínio obscuro. Aí, enquanto jornalista, me pergunto se dedicar espaço aos últimos episódios de violência signifique ampliar a sua potência ou, ao contrário, se estigmatizá-los contribua a apaziguar o rancor.
Nos tornamos mais bárbaros do que nunca? A verdade é bem mais complexa. Impunidade, terrorismo internacional, crise econômica, desemprego, desigualdade a e ausência de políticas de integração serviram de húmus para alimentar os guetos, a marginalização e o medo.
Um medo que em cidades como Roma, aparentemente passiva, se traduz na presença de militares armados no metrô. No despejo de imigrantes de centros de voluntariado.
Em Paris com escritas antissemitas. Entre a Sérvia e Hungria, na construção de um muro. Entre os Estados Unidos e o México em uma fronteira blindada e na declaração de uma emergência nacional.
É mais fácil conquistar consenso com o ódio do que criar pontes entre diferentes povos. É mais simples optar pelas armas do que impor o respeito às leis. É mais rápido instalar grades do que idealizar um projeto político a longo prazo, que cresça a economia e alimente anticorpos culturais contra a violência.
Dedicando-me ao turismo, estava pensando em como viajar possa contribuir com a demolição de barreiras culturais e no poder da gentileza para superar desconfianças recíprocas.
O desconhecido gera medo e o que inicialmente parece hostil pode assumir outra conotação com gestos simples mas espontâneos. A verdadeira revolução é ouvir quando todos esbravejam.
Um sorriso, um “bom dia” ou um “obrigado” pronunciados sinceramente não fazem de você uma pessoa mais fraca. Não é retórica moralista, mas realidade. Estudos clínicos demonstraram que a gentileza realmente facilita as relações humanas, principalmente em um mundo caracterizado por formalidade, hierarquias e pouca autenticidade.
A gentileza é aquela virtude que muitos de nós, por motivos vários, acabou colocando em segundo plano, inclusive quando viaja. Comportar-se como o turista que põe a mão no bolso e paga e portanto deve ser servido e reverenciado não contribui com a interação. Ao contrário, a gentileza cria um clima de colaboração e de simpatia recíproca.
Comprovei pessoalmente essa teoria em diversas viagens no Brasil e no exterior. No Rio Grande do Norte, quando um pescador nos ofereceu uma carona para atravessar a Lagoa da Coca Cola. Em Buenos Aires, onde uma ambulante abandonou temporariamente a própria barraca para nos levar até o bairro La Boca e onde graças a uma corrida de táxi ganhamos amigos que conservamos até hoje. No Marrocos, onde um tecelão nos explicou com as mãos o seu trabalho e um jovem nos guiou gratuitamente até a zona dos curtumes porque queria que conhecêssemos a tradição de seu povo.
Poderia elencar tantos outros exemplos, mas o sentido é evidente. Em viagens ou em nosso cotidiano, a gentileza é uma das virtudes que nos torna humanos, no sentido mais amplo dessa palavra. Praticá-la não significa ser frágil. É dar uma chance ao diálogo, mesmo quando se falam línguas diferentes.
Em suas próximas viagens, não carregue a bolsa ou as malas de objetos supérfluos, mas de gentileza. Provare per credere!