Sexto Sentido

Nos bastidores dos protestos contra restrições anti-Covid na Itália

O mundo inteiro acompanhou as imagens dos protestos em praças de diversas cidades da Itália contra as restrições governamentais para tentar conter a segunda onda da Covid-19 no país. No último dia 28 de outubro, foram registrados por aqui 24.991 casos e 205 óbitos.

Manifestações violentas aconteceram em Nápoles, Turim, Roma, Catânia e Milão depois do anúncio de medidas que impõem o fechamento antecipado de bares e restaurantes às 18 horas, o toque de recolher noturno e a suspensão provisória de atividades comerciais como academias, piscinas, cinemas e teatros.

Empresas que já registravam um balanço negativo depois do lockdown de março e abril correm o risco de falir definitivamente, provocando demissões em massa.

Para tentar diminuir o impacto econômico do novo decreto, o governo italiano anunciou subsídios para apoiar as empresas prejudicadas pelas novas restrições. Em geral, segundo um estudo realizado pelo jornal econômico Il Sole 24 Ore, os proprietários de bares e restaurantes deverão receber uma indenização que cobrirá entre 37% e 53% do seu faturamento mensal.

Não é fácil resumir em poucas linhas as causas de uma forte tensão nacional. Antes de mais nada, a minha impressão é que depois de aceitar com resignação a primeira fase da pandemia, dessa vez o sentimento dominante é a raiva.

Nos meses de março e abril, havia coesão e patriotismo contra um inimigo comum e apoio a um governo que, invocando a responsabilidade de cada cidadão, não merecia ser criticado.

Hoje, os italianos cobram certezas que cientistas e líderes políticos não podem dar e o país se divide entre os mais ortodoxos, a favor de um confinamento generalizado, imediato e radical, e aqueles que sustentam que locais como bares e restaurantes já adotaram todas as precauções possíveis para conter o avanço do coronavírus e não podem ser penalizados. 

No difícil equilíbrio entre salvar vidas ou salvar empregos, a emotividade é mais forte que a racionalidade. Principalmente nas periferias onde, bem antes da pandemia, já existiam vários tipos de vulnerabilidade.

Nos diversos episódios de insurreição popular, Nápoles é o caso mais emblemático. Isso porque estamos acostumados a associar a cidade à criminalidade, ao tráfico de drogas e ao “pizzo”, à extorsão cobrada pela máfia aos comerciantes locais em troca de proteção.

Só que não podemos deixar de lembrar que uma parte de sua população vive de economia informal, de subempregos, categorias sem nenhuma forma de tutela ou respaldo econômico por parte do governo. E no momento de dificuldade, onde as instituições são ausentes, cresce um terreno fértil para quem te estende a mão, para a “malavita”.

O mundo dos invisíveis não é só uma exclusividade da região da Campânia. Em Roma, cidade dos palácios símbolos do poder, periferias também enfrentam há tempos uma fase de apneia. Imigrantes com uma mochila nas costas esperam ao longo do asfalto alguém que passe de carro e lhes ofereça poucos euros em troca de um trabalho como pedreiro.

E academias populares, hoje fechadas, em bairros como o Quarticciolo serviam de lugar de agregação e de trampolim social para uma geração que não vê salvação fora do mundo esportivo.

A verdade é que a pandemia colocou em evidência disparidades sociais e que é muito difícil estabelecer uma escala de prioridades entre serviços que são ou não considerados supérfluos em meio ao caos. Cinemas, teatros e turismo podem ser associados a uma faixa privilegiada da população, mas garantiam empregos a uma grande parte dela. Só o setor do turismo representa mais de 13% do PIB italiano.

As reivindicações e as manifestações de massa provavelmente continuarão porque nada gera mais pânico do que a dificuldade de projetar um futuro. E a única esperança é que ele não seja um privilégio de poucos.

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