Itália, o racismo sutil e pouco inócuo de cada dia
Existe racismo na Itália? Uma triste notícia envolvendo um jovem de origem brasileira, mas crescido em Milão desde os três anos de idade, está provocando discussões e reflexões. Paolo Grottanelli, 29 anos, como muitos jovens de sua geração, aproveita as férias de verão para procurar um emprego temporário em uma cidade de veraneio. Através de um anúncio, contata um possível empregador de Cervia, cidade litorânea da região da Emília-Romanha.
Após uma entrevista telefônica e envio de seu curriculum vitae, foi contratado como garçom por um hotel. Prepara as malas mas na manhã em que estava prestes a partir recebe um SMS inesperado em seu celular. A mensagem dizia: “Sinto muito, Paolo, mas não posso colocar rapazes de cor para trabalhar na sala. Aqui na Romagna as pessoas têm uma mentalidade atrasada. Me desculpe mas não posso deixar você vir até aqui”.
O SMS chegou depois que Paolo enviou a sua carteira de identidade ao empregador para oficializar a sua contratação. Diante da evidente discriminação, a família de Paolo denunciou o ato ao sindicato Filcams-CGIL e a notícia assumiu proporções gigantescas.
Racismo é um termo que desdenho a princípio. A própria terminologia da palavra “raça”, supõe uma classificação, uma diferenciação. Diversos brasileiros interessados em expatriar já me perguntaram se a Itália é um país racista. Esse é um tema desconfortável, dolorido, mas que precisa ser abordado.
A minha resposta é que não é possível identificar todos os italianos como racistas, mas que também não devemos menosprezar casos diários de violência verbal ou física contra pessoas estrangeiras e/ou negras. A minha percepção muito pessoal é que grande parte da discriminação seja atribuída à ignorância. Ignorância em seu sentido mais amplo de falta de desconhecimento, incultura, medo do desconhecido.
Muitos italianos que criticam a presença estrangeira provavelmente nunca saíram de sua própria zona de conforto. Esquecem que no início do século passado a Itália “exportou” imigrantes em todo o mundo. Racismo não é só aquele facilmente identificável em bandeiras que evocam o separatismo, em manifestações pseudopolíticas que pregam a defesa da mão de obra nacional.
Palavras que ofendem ou o ódio corrosivo podem sair das bocas de pacatas senhoras de idade ou de avôs que acompanham seus netinhos à escola. Semana passada, levei minha filha até um posto de vacinação. Enquanto esperava para ser chamada, um senhor de idade ao meu lado começou a puxar papo. Contou que o filho morava no exterior porque aqui não encontrava trabalho. “Culpa dos imigrantes”, sentenciou. “Quando o ditador Gaddafi comandava a Líbia eles não chegavam aqui”, completou. Provavelmente ele sabia que – como denunciado pela mídia – eles eram assassinados no deserto enquanto tentavam a travessia. Simplesmente me levantei e o deixei falando sozinho.
O mal é exatamente não reconhecê-lo como tal. Racismo também é aquele comportamento sutil que permeia gestos cotidianos. No funcionário público que não faz questão de fornecer informações corretas. Naquele que não levanta-se de seu assento, no ônibus, diante de uma mãe negra com criança de colo. Naquele que fura a fila porque, tanto importa, o outro não fala a sua língua e não pode se lamentar. Nos supostos elogios a mulheres estrangeiras. Nas instituições que nem sempre tutelam. Nas mães que “eu aquela escola não” porque é repleta de crianças ciganas.
Existe também o preconceito velado entre os próprios imigrantes. Aqueles que consideram-se melhores ou superiores a outras nacionalidades. E também aquele entre brasileiros que evitam outros brasileiros quando encontram-se no exterior.
Ao lado dessa Itália convive uma outra nação, aquela feita de generosidade, de pessoas que ocupam cadeiras importantes e se questionam sobre a inclusão desses novos italianos. Profissionais que se organizam para oferecer apoio à prófugos sírios, famílias de da ilha de Lampedusa que oferecem abrigo aos imigrantes que sobreviveram à travessia via mar ou voluntários como aqueles do centro esportivo Fulvio Bernardini, na periferia romana. Ali, todo sábado a tarde, pais e crianças que arriscaram a própria vida no mar Mediterrâneo aprender a nadar e a superar o medo da água. São famílias do Afeganistão, Nigéria, Marrocos, Etiópia, Eritrea. Cada movimento, como aquele de entrar na água, é uma conquista e um sinal de confiança. Confiança em si mesmo e em uma parte de Itália ainda capaz de abraçar o mundo.