A Sardenha de Michela Murgia entre cultura real e estereótipos
A foto à direita é do recém-inaugurado mural romano dedicado à escritora Michela Murgia.
Para quem não sabe, ela nasceu na Sardenha e além de suas obras literárias mais famosas e premiadas, é a autora de um livro dedicado a sua terra (Viaggio in Sardegna).
Não é exatamente um manual para viajantes, mas um livro que comenta porque essa ilha se tornou um estereótipo narrativo.
Com sua tradicional autocritica, ela comenta que uma coisa é visitar como turista um “cartão postal”. Outra é nascer no cartão postal e ser involuntariamente obrigado a cumprir o papel estereotipado que os outros esperam que você interprete.
Em suas linhas fica subentendido que se você visita um lugar, mas não entra em contato profundo com a sua essência, só está entrando em um lugar recriado segundo as suas expectativas de turista. Tudo isso sem correr o risco de descobrir algo novo, mesmo que seja decepcionante.
Usando uma metáfora, é como caminhar com pantufas para não arranhar o piso de madeira. Você evita as marcas, mas marcas são sinal de vida e não de uma casa museu.
Murgia coloca em discussão alguns estereótipos e referências culturais sobre a ilha e também comenta a adoção de uma aura sarda pouco genuína, mas “prèt-à-porter” para agradar os turistas.
Se o mercado busca o turismo de experiências, por que não recriar, como no palco de um teatro, uma Sardenha que pode ser vendida em um catálogo repleto delas: desde o almoço com supostos pastores (a ilha é famosa pela produção de queijo de ovelhas) ou a foto com viúvas vestidas de preto que parecem pertencer a imagens do século passado? Ou na propaganda do resort com campo de golf, mas em uma terra definida “selvagem”?
É preciso tato para não confundir realidade e fetichismo turístico.
Michela Murgia sustenta que a Sardenha é um lugar mais “contado” do que “visitado” e que muitos turistas não têm a coragem de desatar um nó e descobrir a verdadeira alma da ilha: os sardos.
A sua análise lucida poderia ser usada para descrever outros lugares italianos, mas é justo que o nó seja desatado na Sardenha, uma terra não subalterna que não é só aquela que vive de turismo de veraneio, mas é permeada por gente de carne e osso todos os meses do ano.
Assista video sobre a Sardenha no nosso canal do YouTube.