DiárioSexto Sentido

Sobre estar à altura ou ser sugado pelas expectativas alheias.

É estranho. A gente cresce em um mundo que prepara gerações para alçar voo em vez de olhar ora si mesmo. Que aprecia a metamorfose da lagarta que deixa o confortável casulo ou crisálida para retirar as asas e, em uma vida curta, virar borboleta. Ela mal nasceu e já assume um papel vital para humanidade: polinizar e contribuir com a manutenção da vida. Difícil dissertar a missão de cumprir um papel.

Eu era criança e minha avó materna havia me atribuiu uma tarefa. Me deu uns trocados e pediu para que fosse sozinha até a padaria comprar leite. Na época, a bebida era vendida naqueles saquinhos de plástico do qual é preciso cortar o bico de forma triangular com a tesoura.

No meio do caminho de volta para casa, a embalagem escorregou das mãos e se espatifou no chão. Lembro até hoje que a minha frustração não era desperdiçar o leite, mas   confessar a ela que tinha falido, que não estava à altura da missão. Por segundos, desejei ter um casulo, habitar só em mim para não desiludir ninguém.

Hoje penso que, pelo menos uma vez na vida, cada um de nós já deve ter sentido vontade de ser e basta, sem deixar que o corpo e a alma ganhem um vinco indelével na tentativa de não dobra-se e manter a postura correta, esperada.

Nesse sentido, viajar para uma meta inexplorada, onde você não conhece ninguém e não precisa corresponder à convenções sociais que não te pertencem plenamente é, paradoxalmente, emancipação, mas também uma chance de voltar para o casulo, de redefinir as suas próprias margens, as arestas de seus desejos mais íntimos. Enfim, de ser mais você.

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