Uma fábula em preto e branco. Os limpa-chaminés, heróis invisíveis do inverno
Eles são os protagonistas do Museo dello Spazzacamino, na região do Piemonte, no norte da Itália e de um festival histórico que reúne limpa chaminés do mundo todo.
Na Itália, o período de festas de final de ano coincide tradições folclóricas e personagens lendários como o Papai Noel e os relatos envolvendo São Nicolau de Mira (atual Turquia), tão venerado em Bari, e a figura da Befana.
Associar um homem a um trenó puxado por renas ou uma mulher a uma vassoura voadora alimentam há séculos o imaginário coletivo, preenchem diversos livros de fábulas infantis. Muito mais raro é dedicar páginas a pessoas de carne e osso que sacrificaram as próprias vidas para permitir que muitas famílias aproveitassem dias quentes diante da lareira, quem sabe lendo um bom livro enquanto a chaminé criava nuvens de fumaça.
No norte da Itália, mais precisamente na cidade de Santa Maria Maggiore, na chamada Valle Vigezzo (Piemonte) existe um museu muito especial. Aquele dedicado aos chamados “spazzacamini” (limpa chaminés).
Na era da inteligência artificial, onde muitas profissões correm o risco de desmaterializarem-se, o museu nos dá a chance de repercorrer a história de um trabalho mais do que físico. Aquele que “tatuava” no corpo e no rosto os sinais de uma vida inteira de sacrifícios.
Hoje a Europa conta com eficientes sistemas de calefação, mas em 1582, na Inglaterra, os Tudors emitiram uma portaria dedicada aos riscos das chaminés. A normativa exigia que elas fossem construídas em tijolo e pedra e que fossem varridas quatro vezes por ano para evitar o acúmulo de fuligem, que por sua vez é altamente inflamável.
Incêndios provocados pela negligência de quem não fazia a manutenção das chaminés eram multados. Naquela época, a Valle Vigezzo ficou mundialmente conhecida como “o vale do limpa chaminés”.
A partir do século XVI, gerações de imigrantes partiam do Piemonte para países como França, Alemanha, Áustria e Holanda para trabalhar como “spazzacamini”. Mais tarde, por volta de 1800, centenas de órfãos e crianças nascidas em famílias pobres eram recrutados para exercer essa profissão. Aqueles magros eram preferidos porque assim podiam entrar e sair facilmente das chaminés.
No Museo dello Spazzacamino os visitantes encontram uniformes, ferramentas, antigas bicicletas, quadros, fotografias e instalações multímidia que reproduzem a atmosfera da época.
Mesmo sendo parte de uma página dolorosa da história local, em vez de relegá-la ao passado, a comunidade de Valle Vigezzo decidiu que seria importante sublinhar a importância da contribuição de gerações de piemonteses que se dedicaram a esse trabalho.
Por isso, desde 1982, todos os anos, no primeiro final de semana de setembro, a cidade de Santa Maria Maggiore é palco Raduno Internazionale degli Spazzacamini. Um evento que reúne centenas de figurantes, inclusive de outros países, que desfilam pela cidade com trajes de época, entoam antigos cantos, dançam e propõem a um público sempre numeroso as tradições dos “rüsca”, no dialeto local.
Se você pensa em organizar uma viagem até o Piemonte, passar por Santa Maria Maggiore é uma maneira de viver, em dias modernos, uma fábula em branco e preto.
Mais informações: www.museospazzacamino.it e www.visitpiemonte.com