Itália e o desafio da união civil
Moro na Itália há quase quinze anos e durante todo esse tempo o tema da união civil continua dividindo o país.
Apesar do alternar-se de governos de direita e de esquerda no Parlamento italiano, até hoje as chances de tutelar juridicamente o vínculo estável entre heterossexuais e até entre pessoas do mesmo sexo não casadas pulverizaram-se diante da pressão de uma grande parte da opinião pública.
No dia 23 de janeiro multidões marcharam em várias praças italianas gritando Sveglia Italia! (Acorda Itália) e no último sábado o país foi palco do Family Day, manifestação que proclama-se defensora da família tradicional, baseada no casamento entre um homem e uma mulher.
Aqui em Roma o evento aconteceu na área do Circo Massimo e reuniu cerca de 300 mil pessoas.
Sei que esse assunto é intrínseco de ideologias e não permite simplificações.
Pelo menos aqui na Itália não há uma demarcação maniqueísta entre o bem e o mal e as perguntas sobre a união civil ainda são tantas.
Entre os cidadãos italianos, há quem defenda tout court a urgência de uma normativa sobre o tema e quem não considere prioritária essa lacuna legislativa.
De um lado existem aqueles que incentivam o reconhecimento da união civil entre heterossexuais. Do outro, cidadãos que não compreendem porque casais homossexuais legitimam o próprio vínculo recorrendo aquele que não deveria ser o único modelo de instituição social: o casamento.
O fato é que, querendo ou não, a Itália não é o mesmo país que na década de 1970 aprovou a lei sobre o divórcio.
A nação não é mais caraterizada por um único modelo de família e o Conselho da Europa cobra da Itália a aprovação da união civil.
As instituições européias convidam os políticos italianos a refletir seriamente sobre a tutela de seus cidadãos e a não estigmatizar o tema da união civil como uma eventual conquista política ou como uma possível derrota do governo.
Direitos humanos não deveriam ser um emblema de uma única facção política.
Entre os países do velho continente, além da Itália, somente na Grécia, Cipro, Lituânia, Letônia, Polônia, Bulgária, Eslováquia e Romênia a união civil não foi formalizada.
As perplexidades são muitas e entre elas estão a step child adoption – a possibilidade de adotar o filho do próprio companheiro/a – e a polêmica questão chamada de maternità surrogata, a prática que no Brasil conhecemos como barriga de aluguel.
Esse é um assunto que gera muitas controvérsias por aqui.
Vale lembrar que esse é o país que vive à sombra do Vaticano e que expoentes da igreja católica sublinharam a própria desaprovação diante do projeto de lei do governo.
A fronteira sutil entre ética e inovação científica provoca diversas dúvidas. Algumas delas são a exigência de evitar que tal prática seja reservada exclusivamente a casais com alto poder aquisitivo, o temor que esse novo cenário crie um mercado clandestino e rentável e a dificuldade de aceitar que existem casais que desafiam a natureza para concretizar o próprio desejo de maternidade ou paternidade.
Eu não julgo porque, simplesmente, nunca vivi na pele uma situação similar.
Os próximos dias serão decisivos para o futuro desse projeto de lei e não sei se no braço de ferro entre contrários e favoráveis à união civil o resultado será uma lei morna.
Uma lei que talvez não desagrade uma parte do eleitorado ou até o arquivamento de uma mudança que uma parte do país aguarda há décadas.
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Anelise, que interessante esse texto. Depois nos conte mais qual foi o desenrolar desse projeto de lei. 🙂
Obrigada, querida Vânia! Estou torcendo para que essa realidade se concretize!