Além do buraco da fechadura do portão dos Cavaleiros de Malta em Roma

Quem de vocês, quando criança, divertia-se com um caleidoscópio? Não era mágico movimentar o tubo e surpreender-se com suas diferentes imagens e efeitos visuais? É procurando uma emoção parecida que todos os dias, faça chuva ou faça sol, centenas de turistas fazem fila para observar o famoso buraco da fechadura do portão da sede do Priorato dei Cavalieri di Malta no Aventino, em Roma. 

Por trás daquela fissura é possível avistar perfeitamente a cúpula da Basílica de São Pedro, emoldurada por um corredor de árvores de ambos os lados. O efeito é quase cinematográfico. Quem prova essa experiência sai de lá com aquele efeito “uau” estampado no rosto e a curiosidade de saber o que esconde-se do lado de lá do portão.

Infelizmente, os jardins da sede institucional do Sovrano Ordine di Malta não são abertos ao público, exceto em raras ocasiões como as chamadas Giornate FAI promovidas pelo Fondo Ambiente Italiano. O problema é que a iniciativa – criada para valorizar o patrimônio cultural italiano – atrai muita gente e, todos anos, as filas para entrar nos lugares com abertura especial são imensas.

Nós conseguimos visitar o local graças a uma visita guiada com permissão especial em um fim de semana ensolarado. Para entender porque tanto sigilo, é preciso lembrar que os “ospitalieri” ou “cavalieri di Malta” (cavaleiros de Malta) representam a primeira grande ordem fundada durante as Cruzadas, no século XI, e que sobrevive até hoje conservando sua soberania, autonomia econômica e garantias diplomáticas. 

Apesar de não ser um Estado com território, os membros da Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta (ufa, que nome comprido!) possuem passaporte próprio e a figura de seu líder, o Gran Maestro (Grão-Chefe), ainda é equiparada a um chefe de estado.

Inicialmente, os objetivos da ordem monástica dos cavaleiros de São João eram a caridade e a hospitalidade. Tudo começou quando, em troca de impostos, mercadores de Amalfi obtiveram permissão para construir uma igreja e um hospital em Jerusalém. A ideia era e amparar e, eventualmente, socorrer os peregrinos que dirigiam-se à Terra Santa.

No entanto, com o passar do tempo, durante as Cruzadas os “ospitalieri” também tornaram-se guerreiros com a função militar. Graças a ordens de soberanos europeus, sua missão era defender os peregrinos cristãos e o Santo Sepulcro de possíveis ataques.

Os cavaleiros resistiram por vários anos até que, em 1291, foram obrigados a deixar a Terra Santa depois que o território foi ocupado por muçulmanos. Mudaram-se para Chipre, Rodes, Creta e, enfim, Malta, até 1798. Foi então que mudaram de nome e adotaram como símbolo a cruz de oito pontas. Também conhecida como “cruz de Amalfi”, cada uma de suas pontas simboliza as obrifações dos cavaleiros. Entre elas, ter fé e ser misericordioso.

Com ataques de Napoleão, os cavaleiros espalharam-se por várias partes da Europa. Tiveram sedes temporárias na Sicília e em Ferrara até estabelecerem-se definitivamente em Roma, em 1834.

Os cavaleiros são originários de vários países mas também possuem o passaporte maltês. Até hoje, o Sovrano Ordine di Malta possui muito influente, além de ser considerada uma instituição elitista, reunindo personalidades poderosas. Atualmente, a Ordem possui cerca de 13.500 membros. Para se tornar um deles, entre os requisitos é preciso ser “convidado” e possuir uma indiscutível moralidade e relevante prática católica.

Todo esse prestígio é evidente na sede do Priorato dei Cavalieri di Malta. Entrando lá a sensação é de euforia. Sabem aquela criança que acaba receber presentes de aniversário e não vê a hora de abri-los? Me senti assim.

A visita começa pelos jardins da chamada Villa Magistrale. Cada cantinho foi projetado com precisão geométrica e você passear entre rosas, árvores raras e plantas exóticas ou sentar-se em um dos bancos colocados ali, estrategicamente, para admirar a paisagem.

A sensação de caminhar por lá é como aquela de percorrer um labirinto secreto e a importância do local é ressaltada em uma sala com um teto recoberto por afrescos e retratos de todos os Gran Maestri do Priorato. Os expoentes da Ordem quase sempre são eleitos na villa e ali também se costuma festejar San Giovanni Battista, padroeiro do Priorato.

Dos jardins você admira o “lado B” do buraco da fechadura e quando o olhar de quem está do lado de fora encontra, inesperadamente, aquele de quem está no interior da villa o efeito é um grande susto. Logo depois do longo corredor de árvores que você vê do lado de fora do portão existe um terraço panorâmico que, obviamente, tem uma vista espetacular da cúpula da Basílica de São Pedro.

Na villa também fica a igreja de Santa Maria in Aventino ou Santa Maria del Priorato. Ela não é um edifício de culto qualquer porque as suas decorações exaltam em cada detalhe a história e as tradições da Ordem.

O edifício foi projetado por um arquiteto chamado Giovanni Battista Piranesi e até hoje divide o público. Há quem a admire e quem critique os seus detalhes extravagantes e, talvez, exagerados. Preste atenção em sua fachada e observe elementos de forte simbolismo.

A Villa Magistrale também possui o direito de extraterritorialidade e abriga a Embaixada so Sovrano Ordine junto à República italiana. Se vocês tiverem a chance de conhecer o local, no final da visita poderão afirmar com certeza que conseguiram satisfazer uma curiosidade pessoal e de muitos romanos e turistas. 

Leia também: Aventino: Giardino degli Aranci e o mágico buraco da fechadura em Roma

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