Anagni, onde o Papa foi “estapeado”
Uma das melhores maneiras de percorrer e entender a história italiana é não limitar-se às grandes capitais, mas também explorar cidades menores com vasta relevância cultural.
Para quem passa por Roma, por exemplo, um bate e volta possível é aquele até Anagni. Localizada no sudeste do Lácio, a cidade é mundialmente conhecida porque foi o local de nascimento de quatro Papas e residência de famílias papais.
Em um país que esbanja tradição artística, os italianos nascem em meio à beleza e Anagni não foge da regra. Basta um passeio pelo seu centro histórico para ficar encantado com a cidade.
Nesse post contei em detalhes as atrações de Anagni, mas um de seus maiores destaques é o chamado Palácio de Bonifácio VIII, do século XIII.
O edifício é renomado por suas salas ricas de afrescos – como a Sala delle Oche ou Sala dos Gansos – e principalmente por ter sido palco de um famoso episódio de ofensa à igreja católica.
Para entender qual era o contexto da época, vale lembrar que o Papa Bonifácio VIII era um membro da poderosa família Caetani e que durante o seu pontificado colecionou inimigos, principalmente entre os descendentes de uma família rival, aquela dos Colonna.
Supõe-se que Bonifacio VIII tenha ordenado o assassinato de seu predecessor, o Papa Celestino V, e perseguido os seus adeptos, entre eles os Colonna. Bonifacio VIII defendia o poder universal, incontestável e eterno da igreja católica. Em outros termos, sublinhava a superioridade do papa sobre os reis. Enquanto isso, na França, Felipe IV – também chamado de Felipe, o Belo – era o rei do primeiro Estado nacional da Europa.
Polêmico e hostil a várias nações, ele suprimiu a Ordem dos Cavaleiros Templários e lutou para a transferência do Papado para a cidade de Avignon. Felipe IV precisava de recursos econômicos para financiar guerras. Por isso, confiscou bens a banqueiros e abades, impôs impostos ao clero francês e proibiu o envio de dinheiro aos Estados Pontifícios. Essas medidas aumentaram, inevitavelmente, o mal- estar com a igreja.
Bonifácio VIII ameaçou-o de excomunhão, mas em 1303 Felipe O Belo respondeu à ameaça enviando o seu conselheiro Guilherme de Nogaret e uma armada para a capital italiana. O objetivo da iniciativa era prender o papa e levá-lo a julgamento. A Nogaret uniu-se Sciarra Colonna, que acompanhou a expedição até em Anagni. No dia 7 de setembro de 1303, homens armados invadiram o palácio papal em Anagni e Bonifácio VIII, abandondado por seus aliados, não reagiu à violência dos homens enviados por Felipe O Belo.
Sentado em sua cadeira e vestido com roupas de cerimônia, o pontífice afirmou que estava disposto a morrer, mas morreria como Papa. Sua personalidade forte teria impressionado Nogaret, mas provocado a ira de Sciarra Colonna. Alimentando a rivalidade entre as famílias Caetani e Colonna, Sciarra lhe deu uma bofetada. O episódio, até hoje, é conhecido como Lo schiaffo di Anagni. (O tapa de Anagni).
O Papa foi preso em seu palácio e liberado depois de alguns dias, mas a humilhação foi tanta que Bonifácio VIII morreu no mês seguinte. Provavelmente, a reação narrada como um “tapa” não foi exatamente um gesto físico, mas moral e simbólico. Invadir o palácio de Anagni e prender o pontífice significava desafiar a autoridade igreja católica e após esse fato a sede foi transferida para Avignon até 1377.
A perda do poder, provavelmente, foi fatal para o pontífice, que foi o primeiro a promover um Jubileu e também foi citado nos versos de Dante Alighieri na Divina Comédia. Hoje, A chamada Sala dello Schiaffo, além de ser visitada pelo público, em ocasiões especiais é usada para recitais e eventos de prestígio.