Castiglione d’Orcia. Viagem sensorial entre paisagem e nova gastronomia toscana
O Val d’Orcia é um dos vales mais belos da Toscana, da Itália e do mundo, mas a maioria dos brasileiros que visita esse território ao sul de Siena, que se estende até a fronteira com a região da Úmbria, quase sempre inclui no roteiro somente as suas cidades mais famosas, deixando de lado metas dos arredores que podem revelar-se agradáveis surpresas do ponto de vista paisagístico e gastronômico.
Castiglione d’Orcia fica no coração do vale, aos pés do Monte Amiata, meta frequentada o inverno, para esquiar, e no verão, por seus bosques. Possui pouco mais de dois mil habitantes e inclui os vilarejos medievais de Rocca d’Orcia, Campiglia d’Orcia, Vivo d’Orcia e Ripa d’Orcia, além das termas naturais conhecidas como Bagni San Filippo.
Anote o nome de Castiglione d’Orcia porque, provavelmente, nos próximos meses ele será um destino ainda mais desejado por turistas do mundo todo.
Em Rocca d’Orcia está sendo projetado um albergo diffuso (ou hotel disseminado, espalhado) de alto padrão. O investimento é financiado pelo empresário italiano proprietário do Podere Forte, com oliveiras e vinhedos que dão origem ao vinho Petrucci Orcia Doc, exportado para restaurantes do mundo inteiro. O mesmo empreendedor também restaurou a icônica Cappella della Madonna di Vitaleta, um dos cartões postais do Val d’Orcia.
A paisagem por aqui é dominada por castelos e fortalezas e desde sempre esse território é atravessado pelos peregrinos que atravessam a Via Francigena e, entre uma etapa e outra, param para contemplar a beleza e imponência de monumentos como a Torre del Tentennano, que acaba de ser restaurada. Mesmo em um dia nublado, a vista lá de cima é incomparável. Se trata da única fortaleza do Val d’Orcia que nunca chegou a ser conquistada ou ocupada à força por inimigos.
Em 1251 a fortaleza passou para a ser uma propriedade da República de Siena, que a reformou, mas a cedeu logo em seguida à poderosa família Salimbeni para quitar as dívidas contraídas para pagar o exército vitorioso da batalha de Montaperti, em 1262.
Outra curiosidade é que em 1377 foi documentada na fortaleza a permanência de Caterina Benincasa, futura Santa Catarina de Siena. Acredita-se que ali ela, que era analfabeta, tenha recebido o dom da escrita. E por falar no poder das palavras, em Castiglione d’Orcia também foi emanada pelo conde Guido Medico di Tentennano a chamada “Charta Libertatis”, uma espécie de constituição que previa os deveres, mas também os direitos daquela população camponesa em relação ao seu senhor feudal.
Depois do sacro, o profano. Uma das melhores surpresas de Castiglione d’Orcia foi o restaurante Le Rocche, onde a tradicional culinária toscana se une às técnicas da cozinha molecular famosa mundialmente graças ao chef espanhol Ferran Adrià. Combinação improvável? Muito pelo contrario. Provar para creer.
Os pratos preparados conquistam não só pela estética, mas porque reinterpretam de maneira inovadora os pratos mais icônicos dessa região. O “menu degustazione” proposto pelo restaurante Le Rocche é uma maneira de fazer uma viagem sensorial e inicia com um mix de tomatinho recheado com panzanella, queijo de ovelhas e gorgonzola com mosto cozido, Crystal Bread com patê de fegatini e um aparente picolé salgado de pappa al pomodoro.
Em seguida, impossível não se emocionar com a consistência do ovo frito crocante acompanhado pelo creme de batatas, açafrão e cebolas carameladas com vinho tinto e com a alcachofra com maionese de alcaçuz.
A imersão culinária continua um risoto com um risotto con amarene, um segundo prato a base de peito de pato com mostarda de pera e um semifreddo al vinsanto, o vinho licoros mais famoso da Toscana.
Castiglione d’Orcia também é uma das doze cidades que produzem os vinhos classificados com a denominação Orcia Doc, que tem como protagonista as uvas Sangiovese.
Como nenhuma viagem à Toscana é completa sem uma degustação de vinhos, tive a chance de visitar a cantina e Podere Poggio Grande, onde o resultado do encontro de duas gerações, o pai Luca Zamperini e sua filha Giulitta, é uma produção de nicho, com vinhos de excelente qualidade como o chamado Scorbutico, dedicado a um dos cavalos de família. Durante a degustação, além dos vinhos os clientes provam embutidos, azeites e mel local.
Como já repeti outras vezes, o Val d’Orcia combina perfeitamente com o slow travel e com aquela vontade de viver e não superar etapas de viagem. Por isso, Castiglione d’Orcia é um convite a desacelerar, inclusive na mesa.