Diário da quarentena na Itália. Não é um eterno domingo
No último sábado, 4 de abril, completei trinta dias de quarentena. Fazendo um breve rewind, o dia 4 de março foi o último de relativa normalidade. O último dia de escola de um ano letivo que provavelmente se encerrará como previsto, em junho, mas sem a presença física de estudantes que trocam abraços e sorrisos antes das férias de verão.
Minha filha, assim como a maior parte dos estudantes italianos, continua frequentando três horas diárias de aulas à distância. O som da campainha escolar foi substituído pelo despertador. A pausa de quinze minutos entre uma aula e outra e as conversas de corredor pelo grupo de chat do whatsapp. Com fones de ouvido e circundada por livros, eu só escuto a minha garota dizer “presente” quando do outro lado da tela a professora repassa os nomes da lista de chamada.
A ministra da educação, Lucia Azzolina, sublinhando que “o governo será mais prudente do que a ciência”, não indica nenhuma data certa para um retorno “físico” às aulas nem descarta a hipótese de didática virtual em setembro, mês que coincide com a reabertura das instituições de ensino.
Em casa, concordamos implicitamente uma simbólica divisão dos espaços. Tentando respeitar o lema direitos iguais, wi-fi para todos, cada um ocupa um cômodo e se esforça para não invadir a privacidade alheia. O gato, inclusive, se desloca com movimentos lentos e estudados para não esbarrar na gente.
Se para assistir a vídeo-aulas ou levar adiante o home-office o silêncio é tão vital quanto doses periódicas de cafeína, é preciso astúcia para intuir um momento de pausa. Aproveitar a interrupção de uma atividade e levar adiante outras necessidades domésticas barulhentas como passar o aspirador de pó, tocar violão ou programar a máquina de lavar roupas, sem atrapalhar os outros “inquilinos”.
Mais do que nunca, a dinâmica familiar é obrigada a enfrentar novas regras. As responsabilidades dos outros estão ali, expostas a todos, e mais do que nunca a divisão de tarefas deve ser equilibrada. E nesse cenário insólito a máquina do café conquistou o status de ponto de agregação.
Por volta do meio-dia é a hora de elaborar o cardápio do dia e me dedico pessoalmente a essa tarefa porque para mim cozinhar é uma espécie de terapia. Em dias de maior inspiração, se do forno saem criações como uma focaccia ou um bolo de amêndoas, corto um pedaço e levo até uma vizinha querida.
Subindo as escadas do prédio, noto que muitos adquiriram o hábito de deixar os sapatos o lado de fora. Toco a campainha com o prato da mão e noto que várias voltas de chave são necessárias antes que ela abra uma porta que não era escancarada há dias. Depois de agradecer o gesto de gentileza, a reação inicial é um espanto sutil. Aquele de enxergar-se reciprocamente “filtrado” pelos olhos alheios. E notar algo que o espelho de casa havia ocultado. A pele sem sol. Os cabelos emaranhados. A roupa amassada.
O carteiro com sotaque espanhol é um dos poucos a interromper o silêncio do condomínio. Ao pensar naqueles que lá fora continuam trabalhando incessantemente, como médicos e enfermeiros que arriscam a própria vida, em quem não tem mais um trabalho, ou em quem está sozinho e amedrontado, não consigo viver nem um minuto desse tempo dilatado como um prêmio inesperado. Não consigo passar a quarentena como se estivesse vivendo um eterno domingo.
No último domingo, os dados divulgados pela Protezione Civile confirmaram o menor número de casos de contágio e de mortes desde o dia 19 de março. O governo prepara-se para elaborar aquela que por enquanto é chamada de “fase 2”, mas ninguém sabe ao certo, em detalhes, o que nos espera nos próximos meses. Provavelmente, o uso das máscaras de proteção será obrigatório. O distanciamento social idem. E voltar à vida normal ainda parece algo longínquo. Parafraseando os napolitanos, “Ha da passà ‘a nuttata”, algo como “temos que superar a noitada”.