O incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro visto e sentido da Itália
Tentar explicar para um italiano a entidade dos danos materiais e simbólicos provocados pelo incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro não é uma tarefa simples. A Itália coleciona títulos. O país possui pelo menos 60% do patrimônio artístico mundial e também ocupa o vértice do ranking das nações com o maior número de sítios classificados como patrimônio da humanidade pela Unesco. Roma, sozinha, é uma cidade que em 2018 completou de 2771 anos.
Em geral, a mídia italiana divulgou a notícia do incêndio focando em números, em datas e na tristeza provocada pela tragédia que para nós, brasileiros, é difícil traduzir em palavras.
– Incendio devasta Museo Nazionale di Rio. Nelle sue sale il cranio di Luzia (La Repubblica)
– Brasile: incendio devasta il museo di Rio che ospita 20 milioni di reperti archeologici (AGI)
– Brasile. Incendio devasta il Museo Nazionale. Persi 200 anni di storia. (Corriere della Sera)
Periodicamente, notícias como o recente desabamento do teto da igreja de San Giuseppe dei Falegnani, no centro da capital, a caída de muros de Pompeia ou a centésima tentativa de mergulho de turistas em fontes monumentais de Roma causam perplexidade. Geram reclamações. Sublinham a escassez de recursos para a manutenção de um país culturalmente riquíssimo e, muitas vezes, o descaso de autoridades com o patrimônio público.
O fato é que aqui na Itália esse tipo de notícia é destinada a ser superada rapidamente. Não digo de maneira indolor. De norte a sul o país coleciona memórias e que os sintomas de mal-estar provocados por uma preservação nem sempre excelente do patrimônio italiano são mais diluídos.
Em relação a muitas nações do velho continente, nós brasileiros herdamos um país jovem mas não sem passado. Que seja ou não motivo de orgulho, somos o resultado de uma miscigenação de culturas que nos presentearam com uma das línguas mais melódicas do mundo. Com a sabedoria indígena. Com fisionomias que são o resultado de várias origens étnicas. Com um “bricolage” de religiões. O Brasil caipira. O Brasil nordestino. O Brasil europeu. O Brasil feito de diversos Brasis.
A questão é que o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro é o último emblemático episódio de um sério aniquilamento cultural. Não é de hoje que casarões do século XIX não são incluídos na lista de patrimônios tombados no país. Não é de hoje que museus nacionais de fundamental importância permanecem com as portas fechadas. Não é de hoje que o pagamento regular dos salários de funcionários de teatros municipais não é considerado investimento mas gasto. Não é de hoje que no leito do Xingu a comunidades ribeirinhas e indígenas cedem espaço a usinas. Não é de hoje que circulam pelo país propostas de exclusão da literatura portuguesa na base nacional curricular comum.
Com o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro não perdemos “só” uma coleção de mais de 20 milhões de peças. Com o sabor amargo na boca, o contorno do nosso mapa antropológico perdeu toda a sua força e esquecemos que sem passado não há futuro.