DiárioSexto Sentido

O que faz Roma ser “Roma”?

O que faz Roma ser “Roma”? Me explico melhor.

Ontem li em um dos principais jornais do país uma reportagem bem interessante envolvendo o tema do overtourism na capital italiana.

Quem me acompanha há algum tempo sabe que trato frequentemente esse assunto por aqui, tentando sugerir passeios e metas alternativas, que não sigam obrigatoriamente os percursos e circuitos preestabelecidos para turistas.

Para resumir, a matéria era o relato de um jornalista que, por um dia inteiro, fingiu ser um turista estrangeiro na cidade eterna. 

As suas perplexidades não me surpreendem. Moro em Roma há 22 anos e, lentamente, vi a “fisionomia” dessa cidade mudar. Seus traços únicos foram cedendo espaço à descaracterização.

Imagine que você está acostumado a encontrar diariamente uma vizinha ou colega de trabalho e, de repente, você não reconhece mais seu rosto, moldado por diversos tratamentos estéticos para agradar não a si mesma, mas a sociedade em geral.

No caso de Roma, não foram os turistas que se adaptaram às peculiaridades e, eventualmente, ao desconforto, de uma cidade plurimilenar.

Seu centro histórico e, mais especificamente, o Rione Trevi, foi perdendo aquela atmosfera de bairro. Ela foi substituída por um novo perímetro, pensado exclusivamente para satisfazer as exigências de um turista precipitado. Alguém que precisa encontrar, em um novo microcosmo, sem deslocar-se de um bairro a outro, tudo aquilo que em sua mente faz uma alusão à Itália.

Na mesma rua ele pode comprar pizza, gelato, maritozzo, limoncello, uma rede de fast food mundialmente famosa, um avental retratando as partes íntimas do David, de Michelangelo, um calendário cujos protagonistas são gatos ou padres ou uma bijouteria que imita as peças originais produzidas pelos artesãos do vidro em Murano.

Anos atrás, quando trabalhava em uma agência de comunicação com sede na Piazza Barberini os comerciantes do bairro eram conhecidos e chamados pelo próprio nome.

Podia fazer uma pausa para o almoço na pizzaria do senhor Alfonso, que acordava às quatro da manhã para preparar a sua pizza al taglio ou na trattoria que era uma certeza para quem era funcionário de um escritório do bairro. O café era aquele do bar de irmãos gêmeos que, entre um espresso e outro, encontravam tempo para “trocar figurinhas” com os clientes.

O que vejo hoje no Rione Trevi, nos arredores da famosa Fontana di Trevi, é o multiplicar-se de locais sem personalidade, com cardápios em diversas línguas que propõem desde o café da manhã com bacon e ovos (nada comum na cultura romana) até pratos com comidas “plastificadas”, exibidos em mesas nas calçadas, para facilitar ao máximo a distinção entre uma pasta cacio e pepe e uma amatriciana.

A reportagem que citei conta que para um turista estrangeiro é fácil cair em uma cilada como aquela de comer uma carbonara congelada e não preparada no momento pelo restaurante ou ser abordado por um “butta dentro”, pessoas que tentam convencer quem passa na rua a entrar e consumir em determinado local.

O texto também cita a caça ao turista por parte de pessoas sem habilitação profissional para exercer o trabalho de motorista, guia ou acompanhador turístico e proliferação de lojas de lembrancinhas kitsch.

Eu espero sempre que, antes de viajar, um turista leve na bagagem aquela curiosidade de quem ama descobrir uma nova cultura, o que pressupõe a leitura, a informação sobre a meta prestes a ser visitada.

Por parte de Roma, é preciso repensar em qual cartão de visitas queremos oferecer ao viajante. Pessoalmente, acredito que se a resposta for um bairro homologado a diversos outros espalhados pelo mundo, não haja motivo para escolher a cidade eterna como destino de viagem.

Roma é única e incomparável e vale muito mais do que um encontro fugaz com quem não esta disposto a conhecê-la de verdade.

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