Itália na mídia e blogs de viagem
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Parole al vento: a Itália como “brand” na sedentária rede de informações

No microcosmo formado pelo jornalismo e pelos blogs de viagem vige a democracia. Oportunidades iguais para todos e quem ganha, com a pluralidade de informações, é o leitor, a coletividade. Será mesmo assim? Apesar dos esforços das associações de categoria contra o plágio e pela tutela da propriedade intelectual, assisto a um achatamento da oferta de conteúdo.

Ao custo de afirmar algo impopular, acredito que a legitimidade e a originalidade de muitos do que lemos estão sob o fio da navalha. Para usar uma metáfora, vejo a rede como uma praça ocupada por um feira. A novidade é que em vez de comercializar produtos diferentes, que cultivamos pessoalmente, cada feirante vende mercadorias idênticas aquelas da barraca ao lado. Uma imensa agorà onde cada um levanta voz para anunciar a própria oferta e, no meio da cacofonia de conteúdo, salve-se quem puder.

Sou e sempre serei a favor da liberdade de expressão, mas isso não me dá o direito de me autoproclamar especialista em assuntos que não domino. Poderia escrever sobre as ilhas Fiji ou Kathmandu sem nunca ter pisado lá. Bastaria ler um guia de viagem, estudar alguns mapas. Por que não faço isso? Porque só relato aquilo que conheço e experiências que vivi pessoalmente. Não posso ter uma opinião formada sobre uma realidade “mediada” por panfletos turísticos, press releases ou até pela visão de outros bloggers.

Desde que o mundo é mundo existe o jornalismo de viagem. Talvez não nos moldes que conhecemos hoje. A carta de Pero Vaz de Caminha, as expedições dos irmãos Villas Boas, as memórias de Marco Polo, a tradição oral transmitida por povos nômades eram relatos de viagens reais de quem, por escolha pessoal ou profissional, saiu de sua própria zona de conforto.

Não há meta exótica, destino luxuoso ou país badalado que possa estimular quem não procura ou não identifica histórias. Uma exploração na própria cidade pode ser tão produtiva em termos de reportagens ou posts quanto uma viagem que requer um voo intercontinental. Pessoalmente, acredito que não há outra maneira de atuar na editoria de turismo ou no setor dos blogs de viagens sem encarar o mundo, sem explorá-lo. 

Talvez o tema seja universal, mas me limitarei a restringir o discurso à Itália. O marketing territorial não é um assunto novo, mas a questão é que venho notando uma exploração intensiva, um uso indiscriminado do “brand” Itália na tentativa de interceptar um crescente fluxo turístico. Itália descrita como status, como excelência, Itália de estereótipos, como símbolo de “Dolce Vita”. Itália de italianos alegres e tagarelas. Itália como cenário onírico. Claro que o país é tudo isso, mas também não é só isso. Sem conhecimento de causa, essas são somente parole al vento.

O trabalho do blogger ou jornalista de viagens começa muito antes da viagem em si, com pesquisas, leituras, encontro com pessoas reais. Levar adiante um blog de viagens requer, obviamente, viagens (e não sedentarismo), disciplina, ética, compromisso, empenho monetário e de tempo e até renúncia a outras distrações.

A questão é que, diariamente, encontramos nas redes e no jornalismo impresso exemplos que chamaria de “canibalismo itálico”. Textos gêmeos, ideias que se repetem, itinerários improváveis, autores que redigem matérias sem conhecer a geografia ou o sistema político do país, que “vendem” o conceito escorregadio – positivo ou negativo – de italianidade, que comodamente sentados e muitas vezes sem conhecer país contam o que é a Itália.

Seja na mídia impressa ou eletrônica, já li artigos que colocavam regiões do norte no sul da Itália e vice-versa. Textos nos quais o Parlamento foi substituído pela prefeitura de Roma. Roteiros elaborados sem um conhecimento real da toponomástica de uma cidade. Já vi a língua italiana corrompida e manchetes supostamente alarmistas que, em território nacional, geraram pouco ou nenhum eco.

Para que fique claro, não acho que a Itália seja patrimônio exclusivo de quem mora no país e acredito que não há nada de errado quando uma pessoa publica seus relatos e opiniões sobre o país. O jornalismo e o bloguerismo de viagens são setores imensos e existem inúmeras maneiras de relatar uma mesma meta, seja do ponto de vista gastronômico, cultural, histórico, arquitetônico ou de qualquer outro enfoque. Diga o que quiser desde que seja autêntico, desde que não adote atalhos.

O problema é ser honesto com o leitor e, principalmente, consigo mesmo. Se você escreve sobre uma meta que não conhece pessoalmente ou “fagocitando” o trabalho alheio, o seu texto sempre terá uma validade literária (discutível ou não) mas talvez não possa ser definido jornalismo, nem mesmo perecível, ou “blogueirismo” de viagem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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