Pergola, a cidade dos magníficos bronzes dourados

Quando visitei o borgo de Pergola, na região Marche, e entrevi a senhora Elena com seu chapéu de palha, olhar curioso e uma graça inimitável emoldurada pelas flores de sua casa, pensei imediatamente que ela e o seu lar seriam os protagonistas perfeitos de um quadro impressionista.

Os ares bucólicos de cidades de província retratadas por grandes pintores costumam inspirar as viagens de muitos globe-trotters estrangeiros, que quase sempre apreciam a tranquilidade do interior durante um breve período, mas descartam a hipótese de morar em um lugar assim.

Para brasileiros residentes em metrópoles, é difícil entender como um burgo possa representar a escolha de vida definitiva de muitos italianos, inclusive jovens descolados que já rodaram o mundo. A resposta é que um vilarejo pode ser um microcosmo da sociedade, mas longe do caos dos grandes centros urbanos.  

Pergola fica na província de Pesaro Urbino, no chamado Valle del Cesano, e é considerado “uno dei borghi più belli d’Italia”, além de ser conhecida como a cidade das cem igrejas.

Historicamente, teve um momento de grande ascensão com a família Della Rovere, até ser submetida ao domínio papal, em 1631. Por cerca de três anos, Pergola chegou a produzir moedas por conta do estado pontifício.  

Essa submissão foi motivo de revoltas. Pergola foi um dos primeiros vilarejos da região Marche a rebelar-se contra o governo dos Papas, anexado-se ao reino da Itália, em 1860 e e reconquistando a sua independência econômica graças à indústria têxtil e de curtumes

Banhada pelo rio Cesano, a água marcou fortemente as principais páginas da história dessa pequena cidade. Sinônimo de fertilidade e de transformação, esse elemento primordial da natureza presentou Pergola com um inestimável tesouro artístico.

Em uma chuvosa noite de junho de 1946, no pós-guerra italiano, os camponeses Pietro e Giuseppe Peruzzini tentaram improvisar um canal para defluir as águas da enchente que atingia a zona de Cartoceto, nos arredores de Pergola.

Para surpresa de ambos, enquanto escavavam ouviram um barulho metálico e avistaram uma pata dourada, seguida por cavalos, duas figuras femininas e um cavaleiro de dimensão grandiosa. Felizes e, ao mesmo tempo, assustados, avisam o proprietário das terras e o pároco de Fossombrone.

A descoberta arqueológica dos chamados “Bronzes dourados de Pergola” foi considerada uma das mais importantes das últimas décadas. A majestosidade dos cavalos pode ser comparada àquela da estátua de Marco Aurelio, conservada nos Museus Capitolinos de Roma, ou ao grupo equestre da Basílica de São Marcos, em Veneza.

O eco da notícia foi tão grande que a ideia inicial era transportar as estatuas até o museu arqueológico nacional de Ancona, mas os cidadãos de Pergola se rebelaram e decidiram impedir fisicamente que as autoridades pudessem retirar o tesouro da cidade.

Os bronzes dourados foram encontrados em 318 pedaços e ninguém sabe ao certo se foram enterrados para protegê-los de um eventual ataque durante o período bélico ou porque representavam personagens ilustres condenados a chamada damnatio memoriae reservada pelos romanos aos possíveis traidores do Senado, apagando todos os seus vestígios. Nero, por exemplo, foi um deles.

Provavelmente, as figuras dos bronzes representavam personagens ilustres da história romana, considerando a proximidade de diversas ex-colônias nos arredores da cidadezinha.

Hoje, o Museu dos Bronzes Dourados, tão valido quanto aquele dos bronzes de Riace, na Calábria, funciona no interior do ex Convento di San Giacomo, em Pergola, e deixa todos os visitantes boquiabertos com seu acervo.

A mesma água que trouxe à tona os monumentais bronzes dourados foi aquela que trouxe prosperidade à Corporação dos Tintureiros e Trabalhadores de lã que possuíam laboratórios no bairro dele Birarelle, à beira do rio Cesano. Ali, casinhas coloridas alternam-se à belíssima igreja di Santa Maria delle Tinte, concluída em 1787 e dedicada à Madonna dei Colori. Seu exterior, em tijolinhos avermelhados, contrasta com o branco candor de seu interior em gesso.

Esse edifício de culto, que é tutelado pelo FAI (Fondo Ambiente Italiano), junto com o pitoresco bairro dos tintureiros, foi gravemente danificado por uma enchente fortíssima em 2022.  Mais uma vez, a água foi a protagonista de uma página da história de Pergola.

Outro tesouro artístico da cidade é o ciclo de afrescos presente no Oratorio dell’Ascenzione al Palazzolo, realizado em 1483 por Lorenzo d’Alessandro, um dos expoentes da pintura marchigiana, e dedicado aos santos Secondo padroeiro de Pergola, e a São Sebastião.

Como disse anteriormente, Pergola é um microcosmo que reúne excelências de todos os tipos, inclusive gastronômicas. No exterior são famosas as trufas de Alba, no Piemonte, mas Pergola também se orgulha de seu tartufo bianco pregiato.

Durante os três primeiros domingos do mês de outubro, acontece na cidade a Fiera Nazionale del Tartufo Bianco Pregiato di Pergola, o ingrediente ideal para provar, por exemplo, com um prato de passatelli, acompanhado por uma taça do vinho Pergola Rosso. Eu provei essas delícias na Osteria del Borgo.

Se a sua viagem pela região Marche acontecer durante o mês de dezembro, vale a pena saber que nos dias 6, 7 e 8 é realizado em Pergola o evento Cioccovisciola, dedicado a essa variedade de cerejas recobertas de chocolate.

Para chegar em Pergola: Rodovia A14, saída Marotta-Mondolfo, SP 424. De trem, a estação mais próxima é aquela de Fabriano

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