O que será da Itália depois da vitória do “não” em referendo
Os olhos grudados na TV. Zapping entre os principais canais all news para comparar as previsões de boca de urna realizadas por diferentes institutos de pesquisa. Foi assim que a maioria dos italianos passou a última noite, depois da grande participação popular no referendo que pretendia reformar a constituição e eliminar o chamado “bicameralismo perfetto”.
A vitória do “não” à reforma (59,1%) foi esmagadora, mas logo após o anúncio da derrota da iniciativa proposta pelo governo e da demissão do premiê Matteo Renzi a sensação prevalente é aquela uma grande incógnita.
Os expoentes do establishment político que lideraram uma campanha pelo “não” festejaram abertamente a notícia. Para aproveitar a onda dos sentimentos “a caldo” e a possibilidade de conquistar o eleitorado do voto de protesto, há quem sustente a urgência de eleições imediatas.
No entanto, entre a sociedade civil o sentimento comum é de sobriedade. Vencedores e vencidos almejam uma classe política responsável, capaz de superar divergências e de emanar uma nova lei eleitoral que permita à volta as urnas em breve.
Com a lei atual (Italicum), 55% das poltronas são reservadas à coalização que obtém mais de 40% dos votos no primeiro turno ou 50% em caso de segundo turno. O risco é que leve ao Parlamento uma representação minoritária do país, sem um contrapoder institucional.
A vitória do “não” foi, principalmente, a vitória da democracia. Antes de tudo, a grande adesão dos italianos ao referendo (68,4% votaram) desmente a desafeição política de seus cidadãos. Muito pelo contrário. Quando o que está em jogo é a arquitetura institucional do país, a população afirmou claramente que a Constituição não pode ser usada como pretexto para justificar a paralisação e os baixos índices de crescimento da Itália. Defendeu com unhas e dentes o texto que entrou em vigor em 1948, logo após o referendo que escolhia entre Monarquia e República.
Hoje o premiê Renzi apresentará o seu pedido de demissão ao presidente Sergio Mattarella. Para muitos analistas políticos, ele cometeu um grande erro ao personalizar o referendo. Iludiu-se ao imaginar que a possibilidade de alterar de uma só vez 40 artigos da Constituição não se transformasse na ocasião para exprimir uma opinião sobre o seu mandato.
Até agora, em seus 70 anos de República, a Itália trocou de governo 63 vezes e o que acontecerá nos próximos meses ainda deve ser delineado. O único dado certo é que o resultado do referendo já está provocando efeitos negativos no mercado financeiro europeu.
A primeira hipótese é que Renzi volte ao Parlamento para verificar se o seu governo ainda é apoiado pela maioria dos partidos. Outra possibilidade é que o presidente Mattarella pode pedir ao Ministro da Economia, Pier Carlo Padoan, que assuma temporariamente o cargo de premiê ou escolha uma personalidade imparcial, mas de relevo institucional, para levar adiante o governo. O nome de Pietro Grasso, presidente do senado italiano, é um dos prováveis candidatos.
Seja qual for o percurso institucional escolhido, o grande desafio do novo governo será superar o descontentamento coletivo e garantir respostas eficazes aos grandes nós da sociedade italiana: desemprego, precariedade, um sistema de welfare deficitário, sonegação de impostos, carência de políticas de integração e imigração, aposentadorias cada vez mais magras e instabilidade.