
Sannicandro di Bari. Descobrindo um vilarejo histórico e a cultura do azeite à sombra de um castelo
Roteiro Terre di Bari, Puglia
Existem emoções que só podem vir à tona em lugares onde o turismo não é exclusivamente contemplativo. Em metas onde a vida real se mescla perfeitamente aquela dos viajantes, não por oportunismo, mas por vocação.
A Puglia, no sul da Itália, é a parte do país que conserva aquela hospitalidade autêntica de quem não saberia comportar-se de outra maneira.
Terre di Bari. Memorize esse nome. Até agora, a maioria dos brasileiros que chegava até o “taco da bota”, desembarcava em Bari e de lá caía na estrada rumo ao litoral mais badalado. Poucos consideravam a hipótese de explorar as cidades nos arredores da capital, quase alheia o turismo de massa.
Essa parte da Puglia não deve competir com os cartões postais mais famosos da região porque o seu fascínio é outro. É nesse território de raízes profundas que pessoas até então desconhecidas te farão descobrir o verdadeiro valor do tempo. A reavaliar os conceitos de fundamental e supérfluo.
Assim como as suas oliveiras centenárias, os moradores dos povoados próximos à Bari têm uma relação profunda com a própria terra, com a própria cultura. E não poupam esforços para que você, turista, possa descobrir e apreciar a sua genuinidade. Aquela de ainda se emociona ao colher a azeitona no pé e ver o fruto dos próprios esforços transformar-se no azeite tão puro que belisca a garganta. Aquela de quem não esconde a própria fé, nem se vergonha de vestir trajes tradicionais para desfilar durante a vindima. Aquela de quem te oferece uma porção generosa e não aceita um “não” como resposta. Aquela de quem não se incomoda em pedir as chaves de uma pequena igreja para te mostrar, com orgulho, o seu ciclo de afrescos. Aquela de quem ainda se identifica como “filho de”. Aquela de quem, ainda hoje, organiza bailes separando damas e cavalheiros.
Durante a minha viagem pela província de Bari, um especialista em gastronomia contou o episódio envolvendo uma turista americana. Degustando um prato a base de pão recém assado, temperado com azeite, tomates frescos e mozzarella feita artesanalmente no mesmo dia, a senhora perguntou a ele se poderia encontrar a mesma combinação on-line na maior plataforma de e-commerce do mundo. Obviamente, a resposta é “não”, porque nem tudo pode ser transformado imediatamente no número de um pedido pronto para ser despachado. Não é vida perfeita, mas é vida real. E é por essa Puglia “slow” que proponho um itinerário para você aventurar-se.
No total, são cerca de 133 quilômetros que devem ser percorridos de carro e que atravessa Corato, Bitetto, Sannicandro di Bari, Santeramo in Colle e Sammichele di Bari, cidades do entroterra (interior) até chegar em Monopoli, no litoral.
Por questões logísticas, eu fiz base em Sannicandro di Bari e de lá me deslocava diariamente até as outras cidades desse itinerário, dedicando um dia inteiro a cada uma delas, mas nada impede que você siga à risca esse roteiro ou o adapte às duas exigências e aos dias que tem a disposição para visitar a Puglia.
Sannicandro di Bari
Pela sua proximidade com a Bari (menos de 18 quilômetros), pelo seu imponente castelo e pela sua forte vocação rural, a primeira etapa da viagem é Sannicandro di Bari.
O protagonista da cidade é o seu Castello Normanno-Svevo, que sobreviveu a um bombardeio, em 1943, e há séculos é o centro da vida pública local. Aqui, quem me explicou a história e os simbolismos do castelo não foi um áudio guia multilíngue, mas uma pessoa em carne e osso que alterna o italiano ao simpático dialeto local.
Nicola Racanelli, ou “o professor”, como é carinhosamente chamado pelos seus conterrâneos, é autor de diversas obras sobre a história local. Ele comenta entusiasmado o pioneirismo cultural de Sannicandro, comunidade que já no século VII a.C mantinha relações com a civilização grega e que desde a antiguidade representou um verdadeiro melting pot, unindo diferentes etnias, ideais e religiões.
Por ali passaram longobardos, bizantinos, normandos, sarracenos e templários. Não basta um olhar apressado para notar que na arquitetura do castelo nada é casual. Cada pedra, cara torre, cada símbolo, cada arco possui um significado complexo e até esotérico. Acredita-se, por exemplo, que as duas torres laterais de guardiã e defesa aludam às colunas do ingresso do templo de Salomão.
Estamos acostumados a associar a efervescência cultural e artística da península itálica ao período do Renascimento, mas o professor explica que já durante a Idade Média construtores de castelos e catedrais tinham acesso a fontes do saber não necessariamente cristãs.
Com o passar dos séculos o castelo foi ampliado, designado feudo de Emma d’Altavilla, princesa siciliana de origem normanda, até se tornar “grangia templare”, estrutura destinada a armazenar mantimentos para as tropas que se dirigiam à Terra Santa durante as cruzadas. Em 1304 foi doado à basílica de San Nicola di Bari e foi só na década de 60 que a prefeitura de Sannicandro compra novamente a propriedade para valorizar o patrimônio da cidade. Hoje o castelo é aberto ao público e, periodicamente, abriga mostras, laboratórios e eventos culturais e gastronômicos.
Assim como outros povoados da área conhecida como Terre di Bari, Sannicandro é sinônimo de matérias-primas de excelente qualidade e a meta ideal para turistas interessados no turismo rural. Além de cultivar figos e amêndoas, as cidades que fazem parte da área Terre di Bari estão apostando no “olio turismo”, em experiências que permitam os visitantes o contato direto com os produtores de azeite.
Em Sannicandro di Bari, você pode visitar um “frantoio” (local onde é extraído o azeite), colher e saborear diretamente das oliveiras a azeitona doce “Termite di Bitetto”. Nos restaurantes da cidade, ela é servida frita, como entrada. Se trata de um produto tão icônico que, durante o mês de outubro, acontece uma “sagra”, festa gastronômica dedicada à azeitona e capaz de atrair milhares de visitantes. Essa variedade de mesa é a primeira a ser colhida, antes daquela chamada Coratina, usada para a produção do azeite.
As azeitonas são colhidas manualmente – usando escadas altíssimas ou de forma mecânica, com o auxílio de máquinas. Elas caem sobre grandes redes estendidas no chão e transportadas no menor tempo possível até o frantoio para que não se oxidem e comprometam a qualidade final do azeite.
As condições climáticas, a sábia e antiga vocação agrícola pugliese, unida a técnicas modernas de extração, inclusive o emprego de ultrassons, tornam o azeite extravirgem da Puglia um dos mais apreciados no mundo inteiro, principalmente pelos amantes da dieta mediterrânea.
A sua grande concentração de polifenóis é devida ao estresse hídrico e térmico. A planta reage combatendo os radicais livres e acumulando polifenóis no interior do fruto.
Nos últimos anos, a Puglia e, em especial a zona do Salento, foi uma das mais atingidas pela bactéria conhecida como a Xylella fastidiosa, originário da Costa Rica. Para evitar o risco de dizimar uma cultura milenar, agricultores e os serviços de proteção ambiental tentaram criar um cordão de segurança e repetir anualmente as medidas de prevenção para impedir que o inseto transmissor possa proliferar.
Não é só uma questão econômica. As oliveiras são parte da identidade da Puglia, que redobrou os cuidados com as plantas, cujos troncos também são protegidos por um tecido que esteticamente lembra o algodão e serve para criar uma barreira natural, prendendo insetos em suas fibras.
A Puglia é o maior produtor italiano de azeite extravirgem e no território de Sannicandro di Bari, as azeitonas Coratina são utilizadas na produção de blends (misturas), mas também naquela monovarietal, realizada exclusivamente com essa variedade. O resultado? Alguns dos azeites premiados como os melhores do mundo e que com suas notas picantes realça os sabores dos pratos da tradição mediterrânea.
Eu também participei de uma degustação de azeites seguindo as preciosas indicações da proprietária do frantoio Mossa Domenica, produtor da linha de azeites orgânicos Natyoure, que venceu o prêmio de azeite mais saudável do mundo, e de cosméticos a base de azeite.
Durante essa experiência, é possível aprender como distinguir um produto de qualidade usando o olfato e as papilas gustativas, sem deixar que características como a cor possam condicionar a nossa percepção.
Não por caso, os degustadores profissionais costumam utilizar um copo de vidro azul-cobalto e de forma arredondada. Para neófitas, uma boa dica é colocar uma das mãos na parte inferior do copo e vira-lo por alguns segundos, para aquecer o azeite e liberar todos os seus aromas. Com a outra mão, o ideal é tampar a parte superior do copo para que os aromas se mantenham no recipiente.
Para visitar o castelo ou participar de uma experiência de “olio turismo”, entre em contato com a associação Proloco di Sannicandro di Bari:
https://www.facebook.com/proloco.sannicandrodibari