Roupas no varal. Choque cultural ou vida cotidiana na Itália?

Há quem note a combinação de cores. O candor do branco. Ou a meticulosidade que separa os tecidos mais leves daqueles mais pesados. E entre um lençol e uma camiseta há quem, constrangido, finge não ter notado as dimensões reduzidas de algumas peças íntimas.

I panni stesi. As roupas estendidas no varal. Quem viaja para a Itália pela primeira vez e cruza com esse cenário provavelmente exprime uma expressão perplexa. E prova um misto de fascinação e repúdio porque, provavelmente, elas não combinam com o suposto glamour da vida na Europa. 

O costume italiano de pendurar as roupas em varais à vista também foi tema de uma publicidade de uma famosa marca de veículos. Nesse spot, ainda divulgado nos canais de TV nacional, um menino circula pelas ruas de uma cidade de província na companhia de um padre. Ele observa com precoce admiração as peças de lingerie vermelha estendidas orgulhosamente por uma bela moradora do bairro.

Não dá para negar que não ficamos indiferentes diante da intimidade alheia e que existe um quê de voyeurismo na observação das roupas nos varais. Não é à toa que na mídia social mais ligada à estética, o Instagram, uma das #hashtags mais populares é #notmypanni (não minhas roupas).

A verdade é que há questões ambientais e culturais ligadas à maneira italiana de estender as roupas. Tenho diversos amigos que moram em diferentes países e em cada um deles existem costumes específicos. Na Suécia o espaço dedicado à lavanderia costuma ser comum e você precisa reservar um horário para lavar suas roupas. Nos Estados Unidos é mais provável que as peças saiam diretamente da máquina de lavar e enxugar prontas para serem dobradas e guardadas.

A Itália é um país com um clima mediterrâneo e, principalmente no sul, com mais dias de sol em relação aos países anglo-saxões. Se você visitar pequenos vilarejos como, por exemplo, Bevagna, na região da Úmbria, ou Castiglioncello del Trinoro, na Toscana, encontrará antigos tanques coletivos que no passado eram usados por toda a comunidade.

No inverno o discurso muda e há quem aproveite o calor produzido pelo sistema de aquecimento colocando o varal para dentro de casa. Algo que os classistas não hesitariam a definir como “obsceno”.

Nas grandes metrópoles, a maioria dos prédios é composta por apartamentos que possuem pequenas sacadas, mas quem não dispõe de um espaço externo improvisa um varal na própria janela.

Como já havia comentado aqui no blog, em cidades como Nápoles é frequente encontrar imóveis chamados de “i bassi” ou, em dialeto, de “‘o Vascio”. São casas no térreo, com portas com acesso direto para a rua. Por isso, é comum cruzar, inclusive, com varais colocados na calçada. Pode ser que à primeira vista essas cenas gerem desprezo. Mas garanto que popular não é, necessariamente, sinônimo de degrado.

Uma de minhas principais memórias de Bari Vecchia, a parte mais antiga da capital da Puglia, é olfativa. Se fecho os olhos ainda sinto o perfume de roupa fresca que acaba de ser estendida no varal. Pelos caruggi de Gênova ou pelas vielas de Siracusa, as roupas estendidas no varal também são parte do cotidiano.

Em Giovinazzo, na Puglia, me lembro de uma senhora de idade que recolhia as próprias roupas íntimas em proximidade de uma das praças principais da cidade.

Em, Roma, em bairros como a Garbatella, Testaccio ou Trastevere também é comum cruzar com cenas de roupas estendidas nos varais dos apartamentos. Em Veneza, Murano ou na colorida Burano, as roupas estendidas no varal criam um cenário ainda mais fascinante.

Seja qual for o seu roteiro pela Itália, ao cruzar com roupas estendidas no varal aprecie o seu lado cultural. Fotografe-as, se as considerar pitorescas, mas sempre lembrando que aquilo que aos olhos de um turista pode parecer bizarro, para muitos italianos é uma cena de vida comum. Simples assim.

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