
San Lorenzo. Dicas de um bairro romano com um passado difícil de esquecer
Retalhos do último final de semana, recordações e novas descobertas no bairro de San Lorenzo em Roma. Sábado decidi ir ao cinema para assistir “Perfect Days”, a última obra de Wim Wenders, cineasta que sempre me fascinou.
A propósito de analógico, na minha adolescência ainda não existia o streaming e costumava gravar em fitas VHS os filmes cult que eram programados durante as madrugadas e maratonar todos nos fins de semana. Um deles foi “O céu sobre Berlim”.
“Perfect Days” tem a delicadeza inata dos orientais e caminha na contramão da sociedade atual, sugerindo um modelo de vida essencial que subtrai em vez de acumular, que anula a exigência da ambição a qualquer custo e onde muitas vezes até as palavras são supérfluas.
Assisti o filme em um cinema de San Lorenzo, um dos bairros históricos da capital que sempre me traz boas lembranças. Foi ali que jantei pela primeira vez com meu marido, em uma trattoria que existe desde 1890 e que era frequentada por Pasolini e Alberto Moravia: Pommidoro.
Também foi em San Lorenzo que realizei a minha primeira reportagem para revista Elle, depois que me mudei definitivamente para Roma.
Hoje San Lorenzo é conhecido como o bairro reduto de estudantes, por sua proximidade com uma das maiores universidades da capital, mas no passado ele foi o protagonista de uma das páginas mais trágicas da história da cidade eterna.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as tropas aliadas anglo-americanas desembarcaram na Sicília com o objetivo de libertar o país do domínio nazifascista. Exatamente às 11:03 do dia 19 de julho de 1943, para enfraquecer ainda mais Mussolini, destituído de seu cargo pelo Gran Consiglio del Fascismo, os americanos bombardearam Roma e San Lorenzo foi a zona mais atingida. Mais de 700 moradores do bairro morreram.
No total, foram lançadas mais de 4 mil bombas que destruíram também outros bairros, provocando a morte de mais e 3 mil pessoas e ferindo outras 11 mil. Em agosto do mesmo ano Roma se proclamou “città aperta”, renunciando à defesa armada contra as forças inimigas, tentando preservar a incolumidade dos civis e o seu patrimônio histórico.
Fragmentos desse passado ainda estão presentes no bairro, como um em um mural de street art na Via dei Campani. Moderno e antigo se mesclam por aqui.
Na parte oeste do bairro ficam restos dos Muros Aurelianos e da Porta Tiburtina.
Hoje é um bairro movimento, com ar anticonformista, característica sempre presente em sua índole. San Lorenzo foi o único bairro da capital a rebelar-se contra a chamada Marcha sobre Roma, um golpe de estado que marcou a ascensão de Mussolini ao poder.
Se você passear pelo bairro, chegue até à Piazza dell’Immacolata e ao Largo degli Osci, onde ficam uma igreja, o cinema Tibur, um mercado ao aberto.
A cafeteria mais frequentada pelos locais é o Bar Marani, mas o que não faltam em San Lorenzo são locais de agregação e livrarias tipo sebo. No final do dia as praças com barzinhos ficam repletas de gente jovem.
Da última vez que estive lá descobri um espaço muito interessante; um misto entre cafeteria e co-working chamado SH 82 (Via degli Equi, 10). Você pode usufruir do wi-fi grátis, degustar uma bebida, estudar ou participar dos encontros que organizam. Tudo isso pagando o preço que achar justo. Quem decide é você. Inclusive, uma das pessoas que conheci no SH82 trabalhou como voluntaria no Brasil.
Notei uma ideia genial por lá, uma caixinha onde os assíduos frequentadores podem deixar o próprio nome, especificando que língua falam e qual idioma gostariam de aprender. Os voluntários do café se encarregam de cruzar os dados e propor um encontro entre “demanda” e “oferta”. Assim, ambos aprendem um novo idioma e fazem amizade.
No final do dia jantamos em uma pizzaria bem popular que existe há anos no bairro, a Formula 1, que não aceita reservas porque está sempre cheia. Se você não se incomodar com barulho, gente que come na mesa ao lado acompanhado pelo cachorrinho ou pouco espaço para mexer a própria cadeira, esse é o lugar para comer uma pizza pagando barato.
Enfim, para os gulosos, vale a pena lembrar que em San Lorenzo fica uma fábrica de chocolate histórica que vale a pena ser visitada: a SAID dal 1923 (Via Tiburtina 135). Ela também funciona como cafeteria e o ambiente é muito acolhedor.