Tomba di Eurisace: arqueologia e apologia ao pão no meio do caos de Roma
Só uma cidade que pode se gabar do apelativo “eterna” e que esbanja monumentos milenários como o Coliseu e o Fórum Romano pode se dar ao luxo de esnobar uma ilha arqueológica situada no meio do caos urbano. Porta Maggiore é o ponto de encontro de vários cruzamentos que desviam motoristas apressados na direção da estação ferroviária de Termini, para o bairro de San Lorenzo e a cidade universitária e para a Via Casilina. Ali também ficam os trilhos dos trens elétricos, como aquele da linha 19, que lentamente percorre Roma de uma parte a outra, funcionado de sonífero para trabalhadores fronteiriços.
No mesmo lugar também circulam um trenzinho que por anos de serviço já deveria ser classificado peça de arqueologia industrial e pessoas de vários tipos. Imigrantes com sacolas repletas de mercadorias e prontos a improvisar a própria “loja”. Gente que acaba de acordar, no banco da praça, ou ainda não dormiu. Varredores de rua em pausa perene para uma mordida na pizza bianca. Idosos acompanhados por cuidadoras. Mães atrasadas para levar os filhos para a escola. Quem assiste diariamente essa cena e conhece de cor e salteado o rosto de cada um desses personagens é Eurisace, um ex-escravo grego que construiu ali o seu túmulo, há mais de dois milênios.
Marco Virgilio Eurisace era o que hoje poderíamos chamar de “alpinista social”; um padeiro que apesar de um passado como escravo e da obrigação de vender a própria mercadoria por um preço simbólico conseguiu enriquecer e se tornar fornecedor de pão para o Estado. Com seu patrimônio, em 30 a.C comprou um terreno a poucos metros daquela que hoje é Porta Maggiore e, nada modesto, ordenou a construção de um imenso monumento funerário para ele e a esposa, Antistia. O túmulo de mármore travertino pode ser facilmente reconhecido porque possui vários orifícios que lembram a boca de um forno e autorelevos com imagens de escravos que trituram o trigo, recipientes para colocar e peneirar a farinha, sovar a massa ou pesar os pães.
No monumento também existe uma frase também exalta as suas qualidades e não nega as suas origens: “Questo è il sepolcro di Marco Virgilio Eurisace, fornaio, appaltatore, apparitore”. A escrita indica que além de padeiro ele era fornecedor do Estado e oficial subalterno de alguma personalidade de alto escalão como um magistrado ou um sacerdote. No local foi encontrado a urna funerária com as cinzas de sua esposa. O curioso é que ela tinha a forma do móvel usado antigamente para guardar o pão.
O monumento que tem mais de sete metros de altura fica quase apoiado na cinta muraria conhecida como Muros Aurelianos . O túmulo só permaneceu intacto porque havia sido englobado em um baluarte, uma fortificação realizada durante o V século. O túmulo só foi descoberto em 1838, quando o Papa da época decidiu demolir o baluarte, e até hoje Eurisace é o padeiro mais famoso de Roma.