DiárioSexto Sentido

No caminho de pedras, a revolução silenciosa dos bichos de pelúcia

Homem é caminho. É viagem, marcha, peregrinação. A evolução humana só foi possível graças a uma grande migração que, do coração da África, espalhou-se para o resto do planeta. Para o homem caçador-coletor, a próxima meta coincidia com a escassez de alimentos.

Hoje, nomadismo assume uma conotação positiva quando associado ao digital, à flexibilidade, à liberdade de movimento.

No turismo, voltamos a valorizar a caminhada lenta de antigos percursos religiosos ou rotas comerciais, como a famosa Via Francigena, o Cammino Materano, o Sentiero degli Dei ou Le Vie della Transumanza, só para citar alguns. Aquelas que nos permitem buscar conforto espiritual e refúgio ao longo do itinerário.

Se você já percorreu algum itinerário montanhoso, provavelmente deve ter cruzado com um monte de pedras empilhadas. São os chamados cairns, termo gaélico, e eles são usados para marcar trilhas ou guiar os caminhantes nem tão familiarizados com o percurso. Há quem diga que eles alteram o ambiente natural e quem os considera um sinal de comunidade entre os caminhantes.

Agora e se quem partisse não pudesse escolher a rota – seja ela terrestre ou marítima – não tivesse o tempo de preparar a mochila nem encontrasse nenhum sinal de solidariedade no caminho?

Quem acompanhou o noticiário italiano nos últimos dias ficou sabendo do trágico naufrágio a pouca distância da costa de Steccato di Cutro, na Calábria. O mar continua restituindo corpos sem vida e as vítimas até agora são 79, inclusive 33 crianças.

O governo foi acusado de negligência no socorro aos imigrantes e a opinião pública se divide sobre esse assunto. Durante a exigência institucional de mostrar comoção pelo ocorrido, o conselho de ministros se reuniu na cidade do sul da Itália e prometeu duras medidas contra a imigração ilegal.

Os expoentes do governo foram recebidos pela população local com uma chuva de bichos de pelúcia contra os carros institucionais. Um gesto inofensivo, mas de forte valor simbólico.

Não há lugar para ódio em um mundo que hoje enfrenta grandes catástrofes humanitárias como terremotos, guerras, intolerância racial, extremismo político. E qualquer ser humano, diante de circunstâncias como essas, partiria.

Um bicho de pelúcia não é um brinquedo educativo ou pedagógico, mas é sinônimo de aconchego. É um objeto transacional. A criança deixa o útero, perde a relação simbiótica e integral com a mãe. É um aliado de uma separação gradual e inevitável.

Que eles sejam o emblema de uma revolução silenciosa e potente. Aquela de quem acredita que o caminho ou a travessia pode ser menos dolorosa sabendo que do outro lado pode existir acalanto.

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