Rafael, o salvador de livros em Valência  

Sempre comento aqui que para mim o significado real de uma viagem são as pessoas que encontramos no caminho. Levarei comigo várias recordações desses dias passados em Valência. Vou me lembrar com carinho especial do encontro casual com o senhor Rafael Soriano, que eu definiria um salvador de livros e de pessoas.

Entrando no espaço que ele administra voluntariamente, próximo à praia urbana de Malvarrosa, é impossível não notar o cartaz que diz “Aqui os livros procuram as pessoas”.

Curiosos, entramos no local, repleto de volumes de todos os tipos e em várias línguas, empilhados e à espera de um alguém. Inútil tentar atribuir a eles uma disciplina rígida, uma distribuição alfabética. Livros são como seres humanos. A afinidade não se comanda e não se coloca na estante. Nasce espontaneamente, quando o seu olhar se pousa sobre uma capa específica e não outra.

Comprova a minha tese o fato que quando estava prestes a ligar o microfone para entrevistar Rafael o seu assistente deixa cair uma pilha de livros, “quebrando o gelo” e confirmando que, em meio à entropia, quem comanda ali são os volumes e não os homens.

Conversamos e ele me conta a história do chamado El Club de Los Libros Libres (O Clube dos Livros Livres), uma iniciativa que já salvou cerca de 80 mil títulos. Porque um livro não é só um conjunto de páginas, mas um mundo que se revela, provoca emoções, alimenta a imaginação, cura uma dor, acolhe um desejo irrealizável, dá respostas ou transmite em palavras escritas sentimentos impronunciáveis.

A ideia é que cada leitor possa levar para casa o livro de sua preferência e devolvê-lo ou não à livraria popular, sem um prazo estimado. Quem adere à iniciativa paga uma taxa anual e simbólica de onze euros e contribui para salvar um patrimônio imenso.

Rafael faz questão de sublinhar que se o leitor gostar tanto de um livro pode ficar com ele e que por ali passam não só espanhóis, mas turistas do mundo todo, inclusive brasileiros. Principalmente durante o verão, a proximidade com a praia gera muito movimento nessa biblioteca improvisada. Os mais procurados são aqueles de literatura hispânica. 

Rafael dedica-se ao clube por livros por paixão, considerando que ainda trabalha. Abre o espaço as sextas-feiras, nos finais de semana e também às segundas-feiras e estima que ali ficam mais de 40 mil volumes, o que transforma o clube na maior biblioteca popular de Valência.

Só alguém com empatia de sobra poderia dedicar-se a uma missão assim. Percebi o quanto Rafael é atento aos sentimentos humanos quando me contou o que fez para fazer feliz um amigo que tinha medo de avião.

Comprou duas passagens para Bergamo, no norte da Itália, com a desculpa de tomar um café no Belpaese. Para o amigo e para ele, missão cumprida e recordação que guardarão para sempre. Uma história que também poderia virar um livro. Mais um salvo por Rafael.