Entre os faróis e torres da Puglia, as sentinelas do mar que guiam o turismo lento

Guardião do mar. Uma faixa de luz que se mostra e se esconde não só para sinalizar, orientar, mas também para acolher, para “agasalhar” em um abraço simbólico o marinheiro ou um alguém a procura do abrigo da terra firme. Um monumento “altruísta”, como definiu o escritor George Bernard Shaw.

farol de San Cataldo e vista de Bari do alto do Teatro Kursaal Santalucia

Desde aquele de Pharos, erguido por volta de 280 a.C próximo ao porto de Alexandria, no Egito, e que deu o nome a esse tipo de construção, até aqueles mais recentes, o valor simbólico dos faróis marítimos supera aquele arquitetônico. Mais do que nunca, em tempos de hostilidade, manchetes que fazem alusão ao bloqueio naval e de desagregação social, os faróis representam a certeza de uma chegada a uma nova terra ou o regresso a casa.

Porto de Bari

Na Puglia, região do sul da Itália, terra entre dois mares que desde sempre foi palco de encontro de culturas, faróis e torres são os protagonistas de um novo itinerário turístico costeiro que percorre os territórios atravessados pelo mar Jônio e Adriático.

Seis, entre as 133 estruturas identificadas por um censo realizado pelo Politécnico de Bari estão sendo completamente restauradas e serão parte da primeira rede pública de arquiteturas marítimas da Puglia. O que isso significa?

A ideia do projeto Cohen (Coatal Heritage Network) é que os faróis de San Cataldo, em Bari, aquele de Punta Palascia, em Otranto, e Torre Carlo V, em Ugento, junto com as torres de San Felice, em Vieste, aquela de Torre Calderina, em Molfetta, e Torre Pietra, em Margherita di Savoia, sejam o ponto de partida para os viajantes que procuram um roteiro de slow tourism para explorar as belezas da Puglia.

terraço do Teatro Kursaal Santalucia e fachada da doceira Martinucci

Os turistas poderão percorrer a Puglia de norte a sul, dos montes da Daunia até Santa Maria di Leuca podendo hospedar-se em onze albergues de nova geração que serão identificados com o acrônimo POP (Pubblici Ostelli Pugliesi). Uma revolução que facilitara, inclusive, as viagens dos inúmeros caminhantes e peregrinos que percorrem caminhos como a via Francigena del Sud ou o Cammino Materano.

Se a Puglia estiver em seu próximo roteiro de viagem pela Itália, para descobrir os segredos dessas sentinelas do mar, comece o seu itinerário pela capital, Bari.

Para desvendar com calma e aprender mais sobre essa terra que sempre foi um ponto de encontro ente Oriente e Ocidente minha sugestão é que você contrate os serviços de um guia local.

Eu explorei Bari com a Velo Service, porque usando um meio de transporte sustentável como a bicicleta e com os conselhos de quem conhece a cidade como ninguém percorri a ciclovia e paramos em diversos pontos estratégicos até chegar ao Farol de San Cataldo.

Depois de provar as diversas versões de recheio do “panzerotto”, uma espécie de calzone frito e irresistível (prove aquele clássico, com mozzarella e tomates, no restaurante Mattarello) o meu itinerário por Bari começou com uma visita a uma joia arquitetônica de estilo liberty: o Teatro Kursaal Santalucia, totalmente restaurado.

Interior do Teatro Kursaal

O local inaugurado na década de 20 é um dos ícones dessa cidade que, no início do século XX, concentrava dez teatros. Hoje, quatro deles mantêm suas portas abertas: além do Kursaal Santalucia o Petruzelli, dedicado à opera lírica, o Niccolò Piccinni, onde a protagonista é a prosa, e o Teatro Margherita, um dos símbolos da cidade.

O resultado do restauro realizado pelo artista Alfredo Pirri deixa todos boquiabertos.

Além de uma sala cinema-teatro super tecnológica (até as poltronas “desaparecem” automaticamente para permitir que a sala hospede diversos tipos de espetáculo), uma maravilha é a sua Sala Cielo, um ambiente onírico onde o chão de vidros estilhaçados contrasta com uma cobertura transparente.

De lá, o visitante chega até um terraço com vista para o lungomare di Bari.

Partindo da sede da VeloService, que fica pertinho da Piazza del Ferrarese, fizemos uma parada na doceria Martinucci para provar o “sporcamuss” (literalmente, “suja a cara”), um doce a base de massa folhada e uma quantidade de creme que nem a palavra “excessivo” consegue descrever.

sporcamuss

Pedalamos diante do Teatro Margherita, aprendi mais sobre a arquitetura racionalista de muitos edifícios públicos da cidade e chegamos até a praia que os moradores de Bari chamam de Pane e Pomodoro (pão e tomates, um dos lanches mais amados pelos locais).

Pane e Pomodoro

Passeando pela cidade a gente nota que ela está em contínua transformação. Seu histórico mercado de peixes, onde os bareses adoram comer frutos do mar e peixe cru, será revitalizado do ponto de vista arquitetônico e sanitário, transformando-se em uma atração no estilo La Boqueria de Barcelona. A zona do Molo di Sant’Antonio será demolida para uma reforma do waterfront de Bari Vecchia.

O lungomare di Bari foi inaugurado em 1927, durante o fascismo, e o seu calçadão de cerca 15 quilômetros representou um ótimo cartão de visitas para uma cidade que almejava confirmar-se como importante polo comercial e marítimo. Ainda hoje, os lampiões que decoram o calçadão são uma das atrações mais fotografadas pelos turistas e um dos símbolos da cidade.

Bari valoriza o seu passado, mas está de olho no futuro e espera conjugar perfeitamente essas duas almas.

Com a bicicleta, seguimos até a basílica dedicada ao padroeiro da cidade, San Nicola, que nasceu em Myra, na atual Turquia. Principalmente durante as cruzadas, Bari era uma importante statio, estação de repouso para peregrinos que se dirigiam até à Terra Santa e que ali faziam uma pausa e pediam proteção ao santo antes de continuar a própria viagem. Dedicar uma pausa para admirar a basílica é um programa obrigatória para quem visita Bari pela primeira vez.  

Basilica de San Nicola

Continuamos pedalando pela ciclovia que passa diante do porto de Bari até chegar ao farol de San Cataldo, área que pertence à marinha militar e que em breve será transformado em um museu dedicado aos faróis e torres da Puglia e à radio. Nem todo mundo sabe que ali, em 1904, o inventor da rádio, Guglielmo Marconi, realizou a primeira transmissão radiotelegráfica com Montenegro, através do mar Adriático. Para valorizar essa história, Marconi será o personagem virtual que acolherá os futuros visitantes do museu e Farol de San Cataldo.

Faro di San Cataldo

Quem tiver interesse também poderá baixar gratuitamente das principais plataformas o podcast chamado “I mari segreti della Puglia” (Os mares secretos da Puglia), que em italiano e inglês explicara que essa região também é território de tesouros arqueológicos marítimos submersos. Na torre da cidade de Margherita di Savoia, por exemplo, será inaugurado um museu para exibir ânforas e outros objetos encontrados em um antigo navio romano afundado em suas águas.

Via di Arco Basso em Bari Vecchia

Última etapa de nosso percurso em bicicleta foram os pitorescos becos de Bari Vecchia. Passei, inclusive, pela Via di Arco Basso, aquela onde senhoras locais preparam e vendem aos turistas o macarrão chamado de orecchiette, aquele protagonista da cozinha barese.

A senhora Nunzia, que virou personalidade mundial

Foi um prazer rever a senhora Nunzia, que conheci anos atras e que hoje é uma personalidade mundial, e as outras moradoras de Bari Vecchia que tornam essa cidade ainda mais calorosa.

Restaurante LaBul em Bari

Se o macarrão vendido nas ruas de Bari Vecchia são o emblema do lado popular da cidade, para provar uma revisitação da culinária local em um ambiente refinado e citado pelo famoso Guia Michelin, prove o La Bul, onde pratos como o clássico riso, patate e cozze (arroz, batatas e mexilhões) ganham interpretação inédita.

Endereços em Bari:

Teatro Kursaal Santalucia

Largo Adua, 5

Velo Service

Strada Vallisa, 81

Mattarello

Via Giuseppe Bozzi, 24

Pasticceria Martinucci

Piazza Mercantile, 80

Faro di San Cataldo

Via Tripoli, 19

Restaurante La Bul

Via Pasquale Villari, 52