Trabalhar na Itália do culto do posto fisso
Ser jornalista significa ter o olhar aguçado para observar a realidade ao seu redor.
Tenho o privilégio de ter várias colegas do setor e o que acontece frequentemente é que qualquer assunto entre nós – do mais sério ao mais banal – pode transformar-se em pauta.
Aqui na Itália existe até uma expressão para descrever esse tipo de comportamento: deformazione professionale.
Dias atrás uma amiga jornalista me perguntou se tinha assistido Quo Vado, a comédia italiana que bateu todos os recordes de bilheteria no país.
Trata-se de um filme spensierato, leve e divertido sobre a epopeia de um funcionário público italiano disposto a qualquer sacrifício para não renunciar à própria vaga de trabalho.
Eu definiria o filme uma caricatura de uma Itália que ainda tem como ambição o culto do posto fisso ou emprego estável.
Do pós guerra até as décadas seguintes sempre houve uma forte relação entre política e empregos públicos.
Hoje, a mentalidade de legitimar um estado assistencialista ainda é forte.
A diferença é que, atualmente, a única certeza é que a Itália não é uma nação que oferece certezas.
Desde o fim da Segunda Guerra o país vive o seu mais longo período de retração.
As projeções berlusconianas de otimismo e bem-estar que caracterizam a o país por mais de duas décadas foram substituídas por uma Itália afetada por um mal comum; a insegurança do trabalho precário.
Alguns analistas sustentam que o governo está trilhando a estrada da recuperação, mas as estatísticas sobre o crescimento do país ainda são alarmantes.
Segundo os dados do Istat (Istituto Nazionale di Statistica), o desemprego entre jovens com idade entre 15 e 24 anos atingiu, em agosto de 2015, o patamar de 40,7%.
Em termos práticos, o desemprego comporta a erosão das chances de independência econômica, a incapacidade de acesso ao crédito para adquirir um imóvel ou manter uma família e a probabilidade de continuar dependendo dos próprios pais ou emigrar em busca de melhores oportunidades.
De acordo com o estudo europeu da OSCE intitulado Education at a glance 2015, somente 62% dos jovens italianos com diploma universitário e idade entre 25 e 34 anos trabalham.
Trabalhar, no entanto, é um verbo que na Itália pode assumir diferentes nuances.
O dia-a-dia da maior parte dos jovens é muito distante daquela evidenciada por Quo Vado.
Aqui os sindicatos perderam força e, em defesa da flexibilidade, no país era possível adotar até 46 tipos diferentes de contratos de trabalho.
Com uma reforma recente chamada Jobs Act o governo está incentivando as empresas a privilegiarem contratos que ofereçam empregos estáveis em vez daqueles temporários.
No entanto, os primeiros dados sobre os efeitos da medida governamental mostram resultados tímidos.
O estudo Labour Market Reforms in Italy: evaluating the effects of the Jobs Acts evidenciaram que, entre janeiro e julho de 2015, somente 20% dos novos contratos eram de empregos estáveis.
Aqui muitas pessoas realizam esporadicamente trabalhos ocasionais e são pagas com os chamados voucher lavoro, ou seja, cupons que garantem a cobertura previdenciária e indenização em casos de eventuais acidentes de trabalho.
Na teoria, essa seria uma modalidade para legalizar atividades como aquela de baby sitter ou garçom, permitindo a ocupação sem a obrigatoriedade de um contrato de trabalho ou a estipulação de um salário.
Na prática, não é raro que muitos jovens com formação universitária aceitem propostas de trabalho mal remuneradas por falta de opção.
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Olá, sou o Lucas. Tenho cidadania italiana e vejo com muita tristeza a situação de deterioração da nossa Itália.
Um país que já foi conhecido pela pujança de sua economia industrial e pela qualidade de seus serviços públicos, hoje vive um quadro de retração econômica e social que parece irreversível.
Verdade seja dita, o euro só trouxe recessão, instabilidade e estagnação à economia da Itália, agravando os problemas estruturais que o país já possuía: corrupção, crime organizado e o fosso entre o norte e o sul.
Verdade Lucas! Concordo contigo! Bom Natal! 🙂