DiárioSexto Sentido

O que as manifestações na França nos ensinam sobre vida, trabalho e o valor do tempo

Aqui a gente fala sempre de viagens e para a maioria de nós elas são um parêntesis. Para aqueles que não se definem “nômades digitais”, viagens coincidem com as férias, com o breve interstício entre a obsessão do trabalho e uma sociedade oprimente que coleciona orgulhosamente adjetivos como workaholic, tempo integral, networking e horas extras.

Somos parte de um sistema que propõe a competitividade, a hiper conexão, alta performance e roupa engomada como o único binário possível para uma existência plena, feliz. 

A vida real, feita de relações humanas, de tempo que não é dinheiro, de encontros não monetizáveis, fica às margens, ocupa um espaço residual. 

Somos competentes ao etiquetar tudo, inclusive a implosão dessa realidade trituradora: burnout, exaustão profissional. Quem não respeita as regras do jogo é desviante, fraco, estranho.

Toda essa premissa porque se vocês estão acompanhando o noticiário internacional devem saber que há semanas os franceses protestam contra a decisão do governo de aumentar de 62 para 64 anos a idade mínima para a aposentadoria.

A mesma nação que em 1789 levou adiante a revolução francesa hoje ameaça paralisar o país e não “engolir” uma reforma que em outros países europeus como a Itália não geraram mais que poucas horas de greve. Aqui a idade mínima para a aposentadoria de homens é se 67 anos. Para os mais críticos, a reforma previdenciária é considerada brutal, desumana e degradante. 

O presidente defende a medida, lembrando os riscos econômicos de manter o sistema de previdência inalterado.

O aspecto saliente dos movimentos de protesto é que poucos estão dispostos a “ceder” ao governo dois anos da própria existência. Principalmente aqueles que exercem profissões que comportam periculosidade ou insalubridade.

Depois de anos de trabalho, os franceses reivindicam o direito a usar como bem quiserem o próprio tempo, fora do mercado de trabalho. A dedicarem-se aquilo que amam. A não responder a exigência de ser sempre eficiente e disponível 24 horas por dia. A fazer de cada dia uma viagem na própria existência, aquela que nenhum empregador pode controlar.

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