Turbulência política e os novos desafios da Itália e do mundo em 2021
Dias atrás escrevia sobre o poder das palavras. E as cenas da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos da América, confirmam a máxima de Martin Heidegger, que afirmava que “a linguagem é a casa do ser”. A diferença é que no passado o debate acontecia em público, na praça ou agorà, com oradores com grande capacidade retórica e que trocavam olhares com o público.
Hoje, a divergência é aparentemente solitária, consumida diante de um teclado, condensada em poucos caracteres traduzidos em insultos, ameaças, mas capaz de suscitar uma adesão virtual instintiva e não raciocinada.
O mundo digital multiplicou o número de supostos especialistas em qualquer matéria. Todos os dias, na tela do computador ou do celular, fatos se confrontam com “achismos”, com os “donos da verdade”. E a pandemia acentuou ainda mais a liturgia do ceticismo vazio, sem argumentações, sem provas.
A maioria dos líderes políticos europeus criticou de forma unânime a violência e a radicalização dos manifestantes de Washington.
A questão não é o legítimo direito de protestar. Há algo de incompatível entre a defesa de um ponto de vista e a o uso brutal da violência para impô-lo.
Os Estados Unidos da América é o país que sempre se orgulhou do poder de “exportar” a democracia, nem sempre com meios pacifistas. Que sublinhou a sua repulsão por cenas como aquelas de talibãs que queimavam a bandeira americana ou militantes destruíram lugares símbolos da cultura, como as ruínas da antiga cidade de Palmira.
O que quero dizer é que deve existir uma maneira alternativa de “curar” a fratura entre crença e descrença nas instituições democráticas. Porque se cada um pudesse fazer justiça com as próprias mãos bastaria voltar ao tempo da adoção do Código de Hamurabi. Em outras palavras, olho por olho, dente por dente.
Aqui na Itália, expoentes políticos também recorrem com frequência às redes sociais, transformando-as em megafones para seus slogans e em alimento para o ego.
Só que a história nos ensina que quando a política é sinônimo de personalismo não nos reserva nada de positivo.
O desafio é tutelar as virtudes da democracia, como a transparência, em um equilíbrio geopolítico cada vez mais instável e em um mundo cada vez mais interligado.
Muitos de nós esperava que 2021 começasse com coesão, mas a verdade é que talvez ainda continuamos a olhar para o lado errado. Procuramos respostas no passado sem nos dar conta que precisamos de um novo quadro de referências, de um modelo de desenvolvimento inédito, humano.
Como se diz aqui na Itália, 2021 é o ano do “o la va, o la spacca”, algo como ou vai ou racha. O país enfrenta nos primeiros dias do ano um clima de divergência política e o governo pede responsabilidade aos partidos para evitar uma crise em plena pandemia.
A Itália continua “dividida” em faixas de cores diferentes (amarela, laranja ou vermelha) de acordo com a situação epidemiológica de cada uma de suas 20 regiões. Ainda é proibido circular entre uma região e outra, a não ser em casos excepcionas, como motivos comprovados de trabalho ou saúde.
Permanece em vigor o toque de recolher depois das 22 horas e lugares símbolos da cultura, como museus, teatros e cinemas continuam fechados. Nas zonas de menor risco, bares e restaurantes fecham suas portas às 18 horas.
Por enquanto, a Itália vacinou 322 mil pessoas, cerca de 0,51% de sua população, e ocupa o vértice do ranking das nações europeias que aceleram a campanha de vacinação.
As escolas de primeiro grau reabriram suas portas no dia 7 de janeiro enquanto a previsão é que a partir do próximo dia 11 de janeiro, os alunos das escolas de segundo grau voltem as aulas presenciais.
A Europa já aprovou a utilização da vacina produzida pela Moderna, mas segundo as previsões realizadas pela Fondazione Gimbe, sem a aprovação daquela produzida pela AstraZeneca só será possível vacinar 20% da população até junho.
Garantir vacinas gratuitas à toda a população no menor tempo possível, permitir a reabertura em segurança de várias atividades econômicas e tutelar as categorias mais frágeis economicamente, administrando os fundos europeus serão grandes desafios para a Itália em 2021. E o ano está só começando.