castanhas assadas em Roma
Sentir

Castanhas assadas: perfume de nostalgia

Elas estão espalhadas em lugares estratégicos, nos pontos turísticos mais frequentados da cidade eterna. Pode ser ali, a poucos passos da fotogênica Fontana di Trevi. Nos arredores das praças mais famosas. Diante de prédios cujo preço por metro quadrado é quase impronunciável.

castanhas assadas em Roma

Le “caldarroste” (ou castanhas assadas) são vendidas quase o ano inteiro em Roma e quem fica por trás das chapas de ferro sobre o fogareiro são imigrantes ou idosos. Rostos anônimos que a maior parte dos turistas não enxerga encara ao cruzar com esses vendedores. A castanha é um produto colhido em outubro, mas o fato de encontrá-las em todas as estações gera muitas perguntas. De onde elas vêm? São produtos italianos? O estoque dos ambulantes é infinito?

castanhas assadas em Roma

O aroma de castanhas assadas seduz os turistas mesmo há vários metros de distância. Será que quem as vende borrifa periodicamente um perfume com essência natalina no ar? Até mesmo na primavera, quando apesar do friozinho os estrangeiros já circulam de mangas curtas, é fácil encontrar quem ostente o seu cone repleto de castanhas. A satisfação vale quase como um bem de luxo comprado em butiques como a Bulgari. 

caldarroste

Para a maioria dos turistas elas são um símbolo do inverno europeu, mas esse fruto também pode representar uma volta às próprias raízes. Por isso, recolhi algumas memórias de meu marido sobre esse tema.

castanhas italianas

“As castanhas foram a salvação de quem resistiu à Segunda Guerra Mundial. Um dos poucos alimentos disponíveis nas cidades de província capazes de esfomear quem não tinha absolutamente nada.

Hoje as castanhas representam uma pausa gulosa. Antes eram um prato único que podia adquirir inúmeras variações. Para alimentar seis filhos – dois homens e quatro mulheres – minha avó paterna, que possuía um castagneto, preparava o doce conhecido como castagnaccio, assava as castanhas sobre as cinzas da lareira e as utilizava pra cozinha le stampate, castanhas fervidas em uma espécie de sopa. O sabor era duvidoso, mas enchia a barriga por várias horas. Em lugares como Piazza Trevi poucos conhecem o significado das castanhas stampate, mas o perfume que elas exalam me fazem pensar em tantas outras mulheres como essa “nonna coraggio” (mãe coragem), na árvore da providência e nas inúmeras vezes em que meu pai se comoveu diante desse prato pobre.”

Para mim as castanhas também possuem um significado especial que me lembra a nossa festa de casamento. No mês de outubro, para compartilhar em um ambiente informal a nossa alegria, organizamos um cantinho no qual castanhas eram assadas na hora. O mérito foi do amigo Ernesto. Ele, que não é um simples produtor mas que definiria um “poeta das castanhas”, afirma sempre que esse fruto assemelha a uma lágrima. Ernesto foi entrevistado várias vezes por canais de TV italiano e quem tiver interesse pode conferir esse vídeo aqui.

A cultura da castanha é tão ligada às tradições da província que existe até um provérbio em dialeto envolvendo esse fruto. Algo que poderia ser comparado ao “não conte com os ovos dentro da galinha”: Contare tre castagne per ogni riccio é uma maneira de dizer que sempre há algo imprevisível, que foge do controle. Cada ouriço contém geralmente três frutos, mas pode acontecer de um deles estar vazio porque não formou-se completamente. Nesse caso, ele assemelha-se a uma colherzinha que as crianças usam para brincar.

 Credits fotos: Alfredo e Ernesto Santucci

This article has 1 comment

  1. Paulo

    Sim. Quero receber

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