E se as metas de viagem fossem pessoas? Emidio Buracchi e a sua loja de antiguidades na Toscana
A maior barreira que encontramos ao viajar para um país estrangeiro não é aquela linguística, acreditem. A maior dificuldade talvez seja aquela de colocar em prática a empatia, aquele sentimento genuíno que nos permite entrar em conexão com as pessoas, mesmo aquelas aparentemente tão diferentes da gente. Ela é a chave para compreender uma cultura.
Se você vier até a Itália, sugiro que não a explore passivamente, limitando-se a selecionar hotéis, visitar e fotografar seus principais monumentos. Tente entrar em contato com a comunidade local, acrescente pelo menos um vilarejo em seu itinerário. Imagine uma viagem que te transforme, que talvez comporte menos conforto, mas muito mais emoções.
Os chamados “borghi” ou vilarejos menores são uma constante em minhas viagens pela Itália e, pode parecer estranho, mas a cada um deles associo um rosto.
Recentemente estive em Sinalunga, na província de Siena, e passeando pelo seu centro histórico eu e meu marido notamos a vitrine de uma pequena loja de antiguidades.
Na região da Toscana, esse é um setor sempre ativo e você pode perceber isso visitando, por exemplo, o mercado de antiguidades que acontece no primeiro final de semana do mês, em Arezzo.
Por curiosidade, entramos. Entre móveis de madeira maciça, cadernos com caligrafia perfeita, câmeras fotográficas, revistas como Grand Hotel, publicação feminina que alimentou a imaginação de gerações com suas fotonovelas, discos de vinil e moedas do mundo todo, fomos recebidos pelo sorriso e um senhor que se apresenta com o nome “Emidio”.
Cada objeto conta uma longa história e carrega o peso de seus anos, assim como o próprio senhor Emidio. Na Itália, segundo pais do mundo por número de idosos, ele é a personificação de uma geração que se mantém ativa, por deleite ou por necessidade.
Tempo é dinheiro e o mercado não perdoa quem não se alinha aos princípios de velocidade, imediatismo. Em uma sociedade que privilegia o uso da criptomoeda e pagamentos instantâneos ainda há espaço para um numismático? Nos tempos dos aviões supersônicos, quem ainda pensa em adotar o slow travel como hábito durante as suas viagens?
Ele desafia as convenções. Emidio nos mostra orgulhoso o seu diploma e a sua coleção de notas e moedas e conta que, com seus 84 anos de idade, a bordo de um carro antigo, nos finais de semana percorre quilômetros de estrada para levar os seus artigos até as principais feiras de antiguidades da Toscana.
A sua aposentadoria não cresce no mesmo ritmo do custo de vida na Itália e o seu business itinerante parece ser a única alternativa ao imobilismo de um centro histórico espremido pelo poder econômico das grandes redes comerciais.
Seu olhar desencantado não aprova o fenômeno que ele considera uma involução, o esvaziamento dos pitorescos centros históricos italianos em prol de investimentos em grandes áreas urbanas quase homologadas por tipo de comércio. Artesãos, talentos manuais e pequenos comerciantes cedem espaço a grandes marcas estrangeiras, empobrecendo não só economicamente, mas em autenticidade, muitas cidades italianas.
Pergunto a Emidio se me autoriza a contar a sua história e ele me responde com um sorriso cúmplice e a frase em dialeto toscano “Buracchi, il bischero”.
Buracchi é o seu sobrenome e “bischero” é uma expressão local usada, afetuosamente, para identificar uma pessoa que acredita ser esperta, mas na verdade é ingênua. Ela remonta à Florença do século XII, período no qual a família Bischeri, dona de propriedades que ficavam exatamente no local onde a Repubblica Fiorentina pretendia erguer o Duomo de Florença.
O governo da cidade havia oferecido um valor importante pelos terrenos, mas a família recusou a oferta. Em seguida, um incêndio devastou as suas propriedades, e a família Bischeri ficou sem dinheiro e sem imóveis.
Talvez o apego que Emidio demonstra pelos objetos que reúne só possa ser contabilizado em afeto e não em euros, mas o que ele tem de sobra é aquela vontade de abraçar a vida e, metaforicamente, todos aqueles que se aventuram a entrar pela porta de sua loja em Sinalunga.
Loja de antiguidades em Sinalunga:
Emidio Buracchi
Via XX Settembre, 1 – Sinalunga (Siena)