
Orvieto, na Úmbria. A cidade onde o homem quase toca o céu
A diferença entre conhecer ou não o “genius loci” de uma região italiana
A propósito de turismo autêntico, me dou conta que para um turista estrangeiro não é fácil distinguir o que realmente é característico de cada região italiana e o que não reflete minimamente a cultura local.
Se entre os souvenirs vendidos em Roma eu encontro joias em vidro de Murano (que fica no Vêneto) ou garrafas de limoncello (típico da Campania), só para citar alguns exemplos, não imagino que eles não traduzam a cultura da capital.
Nessa narração italiana que não contempla diversidades culturais, as fontes de informação têm um papel importante e, involuntariamente, alimentam o imaginário coletivo.
Penso em uma famosa novela brasileira que foi gravada em Civita di Bagnoregio, no Lazio, mas que era “vendida” como Toscana. Ou nos gondoleiros, um dos cartões de visitas de Veneza, que insistem em cantar “o sole mio” para turistas que não associam a música como um dos emblemas de Nápoles.
A maior riqueza da Itália é a sua grande diversidade cultural, gastronômica, linguística, artística. Você provavelmente já deve ter ouvido a expressão em latim “genius loci”. Ela traduz aquele que podemos considerar o espírito de cada lugar, a sua essência, a sua identidade.
Fiquei pensando nesse conceito e no papel fundamental do marketing territorial depois de visitar recentemente a belíssima cidade de Orvieto. Já tinha ido para lá outra vezes, mas dessa vez fiz um passeio noturno, para admirar a sua atmosfera medieval de outro ponto de vista.
Para quem não sabe, Orvieto fica na Úmbria, na Itália central, mas na fronteira com outras duas regiões, o Lazio e a Toscana.
O que me saltou aos olhos percorrendo as suas ruas principais e observando as suas lojas foi uma discreta alusão a elementos que fazem parte da cultura toscana e não daquela umbra.
Exemplos? Lembrancinhas de madeira na forma de ciprestes, cerâmicas que nos fazem pensar nas obras de um artista como Andrea della Robbia, que entre outros lugares decorou o Ospedale degli Innocenti em Florença, vitrines que exibem os famosos tecidos Busatti, típicos de Anghiari (Arezzo), boutiques que evidenciam produtos de couro florentino, açougues e restaurantes que propõem no cardápio hambúrguer de carne Chianina, ligada à Val di Chiana.
Me pergunto por que não exaltar as tantas belezas e excelências locais, sem “confundir” o turista. Claro que não existe uma linha exata de demarcação onde a fronteira entre duas regiões deixa de existir.
A contaminação cultural não é negativa, mas do ponto de vista do marketing turístico eu tentaria priorizar tudo aquilo que é realmente local.
Considerações jornalísticas a parte, a cidade continua mais bela do que nunca e ainda mostra toda a glória de seu passado. Você sabia que ela foi a capital da civilização etrusca entre os séculos VI e VII a.C?
Mais uma vez me emocionei diante da riqueza de detalhes de seu Duomo. No final do dia, com o calar do sol, seus mosaicos e mármores branco e rosa parecem conquistar diversas nuances. Pessoalmente, a considero uma das mais belas catedrais gótico-romanos da Itália.
Ela começou a ser construída em 1290 levou 300 a nos para ser concluída. Em seu interior, o destaque é o ciclo de afrescos de Fra Angelico, Benozzo Gozzoli e Luca Signorelli sobre o Juízo Final.
Orvieto foi construída no topo de um paredão de rochedos que supera os trezentos metros de altura e a vista dos arredores, com vinhedos e oliveiras é imperdível.
Se tiver folego, suba os 250 degraus da Torre dos Muros que, com seus 47 metros de altura, era um dos símbolos da potência da cidade.
Orvieto também tem um enorme patrimônio underground, como o Pozzo di San Patrizio, com seus 62 metros de profundidade e sistema de escadas em espiral.
Fora do centro histórico, a atração principal é a Fortezza Albornoz, que hoje abriga os jardins públicos da cidade, lugar perfeito para relaxar depois de ter subido e descido tantos degraus.
No politeísmo romano, a figura do “gênio”, divindade protetora, discreta e onipresente que fazia uma espécie de intermediação com os deuses, estava presente em todos os lugares, o genius loci.
E em Orvieto – onde o Duomo já me faz pensar que a o homem pode tocar o céu – ele só precisa não assumir a fisionomia do gênio da porta ao lado.
Passear pelas ruas da cidade à noite é delicioso e poder ver o Duomo no pôr do sol é como estar diante de uma jóia, fiquei encantada, a cordialidade do povo foi incrível ❤️❤️❤️❤️
Verdade, cidade encantadora!