Pão e história em Altamura: Puglia primordial
Se você estiver lendo esse post, talvez tenha se perguntado: Altamura, onde?
Geograficamente, a cidade fica na Puglia, na fronteira com a Basilicata, regiões do sul da Itália que há décadas carregam, injustamente, uma identidade distorcida. Lugares ainda pouco explorados pelos brasileiros e renegados a poucas páginas nos guias turísticos.
Assim como o nordeste brasileiro é etiquetado com adjetivos como pobre, subdesenvolvido ou avesso ao trabalho intelectual, a Puglia integra o conjunto de regiões meridionais que compartilham um complexo de inferioridade. Uma miopia que deforma a realidade.
Um rodamoinho de palavras que esquece que aquilo que é áspero e primitivo por fora – como o sertão, ou as cavernas de Matera – pode revelar-se surpreendentemente doce como os versos de Patativa do Assaré : “…Eu sou de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida, que a linda cabocla, De riso na boca zomba no sofrer. Não nego meu sangue, não nego meu nome. Olho para a fome, pergunto o que há? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, Sou cabra da Peste, sou do Ceará.”
Altamura possui cerca de 70 mil habitantes e passeando por suas ruas tranquilas é fácil cruzar com costumes típicos de cidades de província. Idosos que discutem de política diante da sede do circolo ou de uma histórica cafeteria como o Caffè Ronchi Striccoli, mães que empurram carrinhos de bebê, famílias que aos domingos, depois da missa, cumprem o ritual de ir até à doceria, lojas que fecham para um riposo pomeridiano.
Sugiro que esse passeio seja combinado com a sua ida até Matera. A distância entre as duas cidades é de cerca 20 quilômetros. O principal monumento de Altamura é a catedral românica de Santa Maria Assunta, construída graças às ordens do imperador Federico II no século XIII.
Externamente, ela é caracterizada por duas torres e uma loggia com as estátuas da Vergine Immacolata, São Pedro e São Paulo, uma fachada com uma rosácea e brasões e uma porta ricamente decorada com personagens bíblicos. Em sua arquitrave, é representada A última ceia e nos arcos cenas evangélicas da vida de Jesus.
A cidade também é famosa por uma importante descoberta científica. Na década de 90, espeleologistas encontraram uma caverna cujas paredes estavam recobertas de ossos de animais presos entre estalactites e estalagmites e a caveira daquele que foi batizado como o homem de Altamura, um dos fósseis humanos mais incríveis do mundo.
A hipótese mais provável é que tratava-se de um adulto que caiu em um poço e que apesar de ter sobrevivido ao impacto da queda teria morrido de fome. Segundo os estudiosos, o homem de Altamura viveu entre 130.000 e 172.000 anos e do exame genético de seu DNA comprovasse que era era um Neandertal.
Ao homem de Altamura foi dedicado um centro de visitas que fornece explicações sobre o fóssil e organiza laboratórios e excursões na região. Outra descoberta surpreendente no território de Altamura é aquela das pegadas de dinossauros encontradas a cerca de quatro quilômetros do centro da cidade, na Località Pontrelli. As pegadas fossilizadas em um terreno calcário foram atribuídas a cinco diferentes espécies de dinossauros herbívoros e carnívoros.
Além da história, Altamura captura pelo olfato. Quem chega até ali sente no ar o aroma de pão assado no forno a lenha logo pela manhã. Em 2003 o pane di Altamura recebeu a certificação DOP (Denominação de Origem Protegida), conquistando os paladares mais exigentes, mas na verdade esse pão é preparado há séculos. Basta observá-lo com atenção para identificar as suas origens. Sua crosta espessa (mínimo 3 mm), áspera e sua altura irregular lembram as mãos e as calosidades dos camponeses que cultivam a terra que produz o trigo da farinha de sêmola.
O pão de Altamura era primordial da dieta de camponeses que afastavam-se de casa por vários dias e precisavam de um alimento que durasse. No passado, o pão era assado em fornos comunitários e para diferenciá-lo, cada família usava uma espécie de carimbo com as suas iniciais. Hoje, você pode encontrá-lo, por exemplo, no tradicional Panificio del Duomo, ao lado da catedral.