Passeio de primavera pela Via Ápia
Na Europa, a tão esperada chegada da primavera coincide com uma série de sintomas misteriosos que os médicos italianos reúnem em uma expressão: “cambio di stagione” (troca de estação). Com o aumento das horas de luz e temperaturas mais elevadas, há quem sofra de oscilações de humor, insônia, cansaço.
Para amenizar esses inconvenientes, o meu “ansiolítico” e “antidepressivo” natural tem custo zero e nenhum efeito colateral: um passeio pela Via Ápia, uma das estradas mais antigas de Roma.
Construída por ordem do magistrado Appio Claudio Cieco para facilitar a viagem das tropas romanas da capital até Capua, na região da Campânia, e mais tarde prolungada até Brindisi, a Via Ápia também é conhecida como “regina viarium”, a rainha de todas as estradas.
A estrada com cerca de 4, 10 metros de largura permitia a circulação em mão dupla e foi palco de significativos episódios da história romana. Um dos mais trágicos foi a revolta de escravos liderada por Espártaco. Mais de 6 mil rebeldes foram capturados e cruxificados ao longo da Via Ápia.
Ali também ficam algumas das catacumbas mais famosas da capital, mas dessa vez o meu passeio fugiu do itinerário clássico e foi mais pensado para curtir a primavera. Hoje a Via Ápia é exatamente o contrário de um cenário beligerante: um oásis de paz onde procurar refúgio do caos metropolitano. Circundada por mansões, ruínas milenares, pinheiros e ciprestes, o lugar é ideal para um passeio em meio ao silêncio, à história e à natureza. Você pode percorrer a Via Ápia a pé ou de bicicleta (por conta própria ou contratando um tour guiado).
Eu gosto de caminhar e comecei o meu passeio na área arqueológica do Complesso di Massenzio, que fica nas proximidades da Basilica di San Sebastiano. Ali você pode visitar gratuitamente os restos de um grande complexo residencial: a antiga “villa” do imperador Massenzio, o mausoléu conhecido como Tomba di Romolo, o filho do imperador, e a área reservada as corridas de cavalos (circo). É um lugar com uma atmosfera especial e os gatos sortudos que vivem por lá parecem ter consciência que nada paga a chance de contemplar os raios de sol que “beijam” os monumentos da Roma antiga.
Continuando o passeio, você verá a gigantesca Tomba ou Masuoleo di Cecilia Metella, monumento funerário de forma cilíndrica erguido em homenagem a uma nobre romana. Durante o século XIV a área do mausoléu, chamada de Capo di Bove, foi comprada pela família Caetani e ali foi construída uma fortaleza composta por uma cinta murária, uma igreja, um palácio e uma torre.
Depois da caminhada, a maneira perfeita de encerrar o passeio pela Via Ápia é parar em um dos viveiros mais belos da capital; aquele que fica quase em frente à Tomba di Cecilia Metella.
Não importa se você é um turista e não tem nenhuma intenção de sair de lá com alguma planta. O importante é que você será capturado por uma explosão de aromas e cores diferentes. Entre um pé de azeitona secular, ameixeiras floridas, limoeiros, roseiras e cactus será difícil escolher qual a sua espécie preferida. Apesar de fascinada pelos nomes exóticos, adoro as hortaliças e plantas aromáticas. Para mim, sentir o cheiro do manjericão é como liberar uma grande dose de serotonima, o hormônio amigo da felicidade.
Pronta para voltar para casa, encontro com um padre e uma freira. Se até aqueles mais familiarizados com o mundo espiritual circulam por aqui, esse é mesmo um sinal que a Via Ápia em Roma é mesmo um dos lugares terrenos mais próximos do paraíso. Passear por lá para crer.
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