As perguntas mais estranhas feitas a uma guia de turismo em Roma

Recentemente, durante um jantar com outras jornalistas de viagem estrangeiras, comentávamos sobre uma dificuldade comum entre os turistas que visitam a Itália, mas moram em países relativamente jovens: aquela de “encaixar” cronologicamente nomes e fatos históricos em uma linha do tempo imaginária. Convenhamos. Uma nação como o Brasil foi descoberta em 1500. Roma, por exemplo, completou 2772 anos em 2019.

É compreensível que quando  guias de turismo (guida turistica, em italiano) de carne e osso ou aqueles comprados em livrarias citam civilizações como aquela etrusca – cujas origens provavelmente remontam ao período entre  o IX e I século a.C – ou enalteçam expoentes da Renascença, muitas pessoas fiquem desorientadas.

A Itália é o país da história por excelência e, no bem e no mal, italianos já nascem em meio à beleza, à arte, à cultura. As páginas do passado não estão confinadas em livros bem guardados, mas é algo que os italianos respiram cotidianamente. Nas praças, em vestígios de aquedutos milenares no centro da cidade, nas igrejas. Italianos não aprendem a história, mas são a história e entendem que o passado é uma bússola para o futuro.

Roma recebeu em 2019 cerca de 15,2 milhões de turistas (1,1 milhão a mais que em 2017), e os guias que trabalham na cidade eterna encontram diariamente pessoas provenientes de diversas partes do mundo e com diferente background cultural.  Mas qual o impacto desse grande fluxo para a cidade e como um guia pode ajudar os turistas a decifrarem uma capital tão complexa como Roma?

Entrevistei Roberta Bernabei, guia de turismo em Roma há mais de 30 anos que sublinha a importância de mostrar ao mundo que a cidade não é só o óbvio, como o Coliseu os Museus Vaticanos, e também revela algumas das perguntas mais curiosas e estranhas que já ouviu de estrangeiros de passagem por Roma. Em breve, elas serão concentradas em um livro de sua autoria.

Como nasceu a sua paixão pela arte?

Comecei a desenhar aos três anos e aos cinco a folhear os livros de arte. Aos seis anos de idade pedi  aos meus pais que me levassem até a Gallerie degli Uffizi em Florença e senti uma emoção muito forte ao contemplar suas maravilhas. Uma paixão profunda que nunca mais me abandonou.

Desde quando trabalha como guia de turismo? 

Desde os vinte anos (hoje tenho 58 anos) e sempre gostei de compartilhar minha paixão pelo belo. Sou formada em História da Arte pela Universidade de Roma e continuei meus estudos com uma pós-graduação em Arqueologia e História da Arte na Universidade de Siena. Há doze anos trabalho com turistas estrangeiros, principalmente americanos.

Na sua opinião, a tecnologia e as mídias sociais afetaram a maneira com a qual os turistas escolhem o que visitar em uma cidade?

Certamente, a tecnologia e a possibilidade de escolher e reservar acomodação e passeios do seu próprio computador, muitas vezes consultando o Tripadvisor, aumentaram ainda mais o turismo na Itália e especialmente em Roma, uma cidade maravilhosa que sempre foi uma grande atração turística.

A facilidade de viajar, os voos de baixo custo … tornaram o turismo internacional mais democrático, mas alguns operadores do setor afirmam que Roma se tornou uma Disneylândia para adultos, incapaz de proteger sua beleza dos efeitos do turismo de massa. Você concorda?

Concordo que o alto número de presenças, especialmente durante o verão, é um perigo para uma cidade que tem quase três mil anos. Roma tem uma história milenar e complexa e acho que seria apropriado ler, informar-se antes de chegar aqui e respeitá-la mais. Vi hordas de turistas invadindo os monumentos de sempre porque não há comunicação eficaz, nem da parte da administração local, nem daquela nacional. É preciso informar os turistas que Roma não é apenas o Coliseu ou os Museus do Vaticano, mas possui um dos mais extraordinários patrimônios arqueológicos, artísticos e históricos do mundo.

Se insistirmos nessa direção, os turistas retornariam (vimos que a maioria dos turistas chegam em Roma, mas aqueles que retornam pelo segundo ou pela terceira vez, são poucos) e poderiam ser bem distribuídos na cidade, evitando multidões no Coliseu, o que certamente não é bom para estruturas com quase dois mil anos de idade.

Por que você acha que alguns estrangeiros acham difícil “interpretar” a história e a cultura italianas?

Porque o conhecimento requer tempo e esforço e porque em todos os países há uma diminuição cada vez mais generalizada do nível cultural. As pessoas não leem, geralmente se informam na internet, de maneira inadequada e superficialmente, e sabem muito pouco a respeito dos lugares que visitarão. E isso apesar do fato que a nossa cultura – como a cultura grega – é o berço da Europa. Estamos cada vez mais conectados, temos acesso mais fácil a viagens baratas, mas viajamos sem consciência histórica, desperdiçando superficialmente uma oportunidade de crescimento cultural e humano, banalizando essa oportunidade única e preciosa.

“A vida é o que fazemos com ela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, mas o que somos“, escreveu Fernando Pessoa, escritor e poeta a quem amo muito.

O fato de alguns países serem relativamente jovens em comparação à Itália dificulta contribui para que turistas entendam, por exemplo, antigas  civilizações como aquela etrusca e romana?

Absolutamente sim, é muito difícil. É uma pena, mas no programa escolar de tantos países, estudamos a história e a geografia da própria nação e pouco sobre o resto do mundo. Uma lacuna que os os jovens carregam quando se tornam adultos e que considero muito séria. Observo com frequência a total ausência de uma idéia, ainda que superficial, da sucessão temporal de fatos históricos, mesmo a mais banal, em muitos visitantes estrangeiros. Obviamente, isso cria uma grande dificuldade em situar locais, sítios arqueológicos e obras de arte no período correto. Seria aconselhável ler algo antes de viajar para realmente apreciar o que você visitará. Sem o conhecimento histórico e geográfico mais elementar, corremos o risco de causar muita confusão e, portanto, não apreciar completamente os lugares e locais que visitamos, que em um país bonito e antigo como a Itália, são sempre verdadeiramente únicos e extraordinários.

Poderia me contar as perguntas mais estranhas feitas pelos turistas que você conheceu?

A total falta de coordenadas históricas nos faz perguntar, por exemplo, se conservamos os antigos romanos em reservas e onde eles estão, ou há quem procure o túmulo de Jesus Cristo dentro da Basílica de São Pedro, ou ainda alguém que pergunte por que enterramos as estátuas gregas e romanas  se depois precisamos escavar para recuperá-las. A estratificação milenar de Roma gera muita confusão. Diante de uma pintura com o martírio de São Sebastião perfurado por flechas, me perguntaram se também tínhamos problemas com os índios…

Que conselho você daria ao Conselheiro de Turismo para melhorar Roma?

Roma é suja, mal iluminada. Seu transporte é vergonhoso, é repulsiva com os turistas e hostil com os moradores. Não é administrada de maneira alguma, mas é tão extraordinária que o fluxo de visitantes é sempre maior. É uma das grandes capitais europeias, merece administradores com competências mais amplas e específicas, e não governantes que pensam em administrar um condomínio. Esperamos que os eleitores o entendam e votem por competência e experiência na próxima vez, a única maneira de realmente resolver os problemas da cidade mais complicada e mais bonita do mundo.