Estou longe da geração millennial. Quando tento lembrar em qual circunstância homens e mulheres mantinham uma “distância programada” penso nos bailinhos de garagem da década de 80 ao som de músicas – para a época provocantes – como Olhar 43.

Em pleno século XXI, é até difícil acreditar que em um país ocidental ainda existam espaços diferenciados para homens e mulheres. Nos arredores do Molo Fratelli Bandiera, o Bagno Lanterna é um dos símbolos de Trieste, no norte da Itália. Do lado de fora, a normalidade. Um grande muro azul recoberto pelos desenhos de diversos street artists.

Além do muro, a surpresa. Se trata de uma praia urbana cuja peculiaridade é aquela de ser dividida por um muro de três metros de altura e 74 de comprimento. Um lado é reservado para mulheres e crianças de até doze anos de idade. Aquele oposto é de uso exclusivo dos homens.

De propriedade da prefeitura de Trieste, a praia é mais conhecida como Pedocìn, palavra que em dialeto triestino serve para indicar os pedoci (frutos do mar tipo mexilhão) ou pidocchio (piolho) porque no período em que era governada pelo imperador Francesco Giuseppe I d’Austria a praia permanecia fechada das 14h às 16h para permitir que os soldados pudessem tomar banho ou, ironicamente, “tirar os piolhos”.

Até hoje a praia é muito frequentada por adultos e crianças durante a alta estação, de 1 de junho até 30 de setembro. Com o preço simbólico cobrado para entrar no Bagno Marino La Lanterna (1 euro a diária), nos dias em que a Bora (vento frio típico de Trieste) concede uma trégua até cinco mil pessoas lotam a praia de cascalhos.

Lanterna é o nome que deriva da proximidade com o farol de Trieste. Já o muro no Pedocin surgiu no período em que a cidade ainda estava sob o domínio austríaco, provavelmente em 1903 ou até antes. Inicialmente a praia era dividida exatamente na metade e em 1959 foi concedido mais espaço às mulheres e crianças.

Com o passar dos anos, várias iniciativas tentaram a derrubada do muro, até que o resultado de um plebiscito popular demonstrou que os habitantes da cidade defendiam a sua presença. O motivo não é exatamente ligado a uma questão de gênero.

Vale lembrar que Trieste sempre foi uma terra de fronteira (a breve distância da Eslovênia e Croácia), de identidade híbrida. Foi uma importante cidade do império Austro-Húngaro e depois de reivindicada pelo movimento irredentista italiano foi anexada à Itália. Também foi cenário de campo de prisioneiros judeus como a Risiera di San Saba e da passagem de deportados para países como a Alemanha e a Polônia.

Há quem acredite que o muro do Bagno Marino La Lanterna seja quase uma remanescência de folclore, um cartão postal descolorido dos tempos que se foram. Para mim o Pedocin também é parte da essência de Trieste e como tal deve ser respeitado. Se você é um homem nem pense em aproximar-se da área dedicada às mulheres ou vice-versa. Para os triestinos o muro não é sinônimo de segregação, mas de liberdade para aproveitar a praia longe de olhares indiscretos.

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