O ritual da scarpetta na Itália. Quem ganha entre a gula e a etiqueta?
É um exercício de autocontrole. Um braço de ferro entre a gula e a estética social. Você sentado na mesa de um restaurante italiano, diante de um prato com o resto do molho da pasta al sugo. Ao alcance das mãos uma cestinha com fatias de pão. O que fala mais alto? O respeito pela etiqueta ou a tentação da scarpetta?
Eu justificaria o gesto sublinhando que, em tempos de luta ao desperdício de alimentos, nada mais justo que “afundar” o pão no mollho, sem hesitação.
Para quem não sabe, “fare la scarpetta” é, inclusive, uma expressão presente no dicionário de italiano Treccani, que explica o seu significado: raccogliere il sugo rimasto nel piatto passandovi un pezzetto di pane infilzato nella forchetta, o più comunemente tenuto tra le dita. Em outras palavras, recolher o molho que sobrou no prato com um pedaço de pão enfiado no garfo ou simplesmente com a fatia nas mãos.
Scarpetta deriva da palavra scarpa, sapato, e a teoria mais provável sobre a origem dessa expressão é aquela que compara a fatia de pão à sola de um sapato que, caminhando, recolhe tudo aquilo que encontra.
A gastronomia italiana esbanja receitas que, em teoria, combinam perfeitamente com a scarpetta, mas na prática existem algumas regras que, segundo os mais ortodoxos, precisam ser respeitadas.
No livro Il tovagliolo va a sinistra (O guardanapo vai na esquerda), a jornalista e escritora italiana Elda Lanza, explicava sem meios- termos que se trata de um gesto reprovável e infantil porque suja as mãos.
Ela deixou claro que não existe a “scarpetta elegante”, feita com o auxílio do garfo, e que as únicas ocasiões nas quais a scarpetta é consentida são em casa ou, em um ambiente informal, entre amigos.
A autora sustenta que, se você for convidado para um almoço ou jantar e o molho preparado pela sua anfitriã ou anfitrião for realmente maravilhoso, você pode até sentir-se autorizado a pegar uma fatia de pão e pronunciar uma frase como “não vou deixar esse molho no prato porque é ótimo”, mas nesse caso o ideal é molhar o pão mas não “limpar” totalmente o prato. Assim, você fará feliz o cozinheiro (a), mas sem parecer voraz.
Os pratos que “combinam” com a scarpetta são aqueles a base de um molho suculento, a base de tomates, de carne, como le tagliatelle al ragù, de peixe, como o cacciucco livornese, ou sopas de legumes. Outra maneira irresistível e muito italiana de fazer a scarpetta é degustar uma fatia de pão fresco com azeite extravirgem.
Pode ser que na maioria dos restaurantes você fica com receio de fazer a scarpetta, mas aqui no blog já falei sobre um restaurante de Nápoles especializado na preparação de pratos a base do ragù napoletano e onde você em vez do macarrão pode pedir, simplesmente o molho e o pão, para praticar livremente e sem sentir-se culpado, o ritual da scarpetta.