San Giovanni Valdarno. Para conhecer o lado goliardo e cheio de vida da Toscana
Para mim, o melhor tipo de viagem não é aquela ascética, contemplativa, que não prevê um encontro ou, se preferir, uma colisão voluntária entre a minha vida pessoal e aquelas das pessoas que, casualmente ou por ironia do destino, cruzam o meu caminho.
Tenho sorte porque, quase sempre, durante esses esbarrões entre humanos, se cria um círculo magico. É como os dedos de um músico fizesse vibrar as cordas de uma harpa, conectando pessoas de todos os tipos, independentemente da idade.
Eu poderia elencar inúmeros motivos validos para você conhecer San Giovanni Valdarno, na Toscana.
Deveria exaltar a sua arquitetura, como aquela do Palazzo d’Arnolfo, protagonista de seu centro histórico, decorado com inúmeros brasoes em sua fachada.
Citaria a casa natal do pintor Masaccio, um dos pioneiros do renascimento em Florença, ou o museu da Basilica di Santa Maria delle Grazie, que abriga a obra-prima chamada “L’Annunciazione”, de Beato Angelico.
Na verdade, digo que para entender o verdadeiro espírito da vida de província na Itália basta passear pelo centro histórico de San Giovanni Valdarno.
Ali você vai notar uma aglomeração de aposentados, mas não com a passividade que, no imaginário coletivo, costumamos atribuir a pessoas de mais idade.
Quase todos chegam até lá pedalando a própria bicicleta. Sentam-se embaixo do monumento dedicado ao Marzocco (leão que segura um escudo com o lírio, representado o domínio florentino) e ali começam a interagir animadamente.
Escutando as suas conversas, a sensação é aquela de estar dentro das páginas do roteiro de Amici Miei (Meus Caros Amigos), comédia de Mario Monicelli.
O filme traduz perfeitamente a irreverência toscana e retrata o cotidiano de um grupo de amigos de meia idade que passam o tempo pregando peças e passando trotes, tentando rir dos outros e de si mesmos.
Se o segredo da longevidade é não levar os impasses da vida muito a sério, os “ragazzi” de San Giovanni Valdarno tiram essa lição de letra.
Apesar de terem entre 70 e 90 anos de idade, sublinho “ragazzi” (garotos) porque é assim que eles denominaram o próprio grupo: “I ragazzi di Arnolfo”. Para eles, a autoironia é um estilo de vida.
Eles poderiam passar o tempo jogando baralho ou boccia, mas preferiram se dedicar a algo mais libertador.
Entre uma piada e outra, entre discussões sobre futebol e política, eles escolheram o canto. Já imaginou um grupo de idosos que sobe em um carrossel para crianças e entona os versos de uma opera como Turandot?
Foi isso que fizeram recentemente. E como encher os pulmões não basta, em seguida eles fizeram um piquenique nas margens do rio Arno.
Tudo aconteceu por caso. Inicialmente eram só encontros casuais e cantoria improvisada debaixo da loggia do Palazzo d’Arnolfo. Daí deriva o nome do grupo. Com o tempo, no entanto, a fama se espalhou pela região e as apresentações do grupo I ragazzi di Arnolfo são mais que disputadas.
Eles fazem tanto sucesso que no último dia 20 de maio foram os vencedores da segunda edição do Festival di San Giovanni Valdarno.
Passeando pela cidade de San Giovanni Valdarno em pleno verão conhecemos por acaso um de seus componentes, Gerardo di Meo, que nos apresentou ao grupo e nos contou um pouco de sua história.
Como muitos italianos de sua geração, ele já foi um expatriado e hoje dedica-se à amizade, viagens e ao canto, espantando males e criando vínculos com quem aprecia a música e os prazeres da vida.
Especialistas do mundo inteiro seguem interessados na longevidade italiana. Uma fórmula secreta não existe, mas o bom humor me parece um bom começo.