Nos bastidores de uma fábrica de vidro em Murano
Veneza é sonho sob forma de cidade, mas quando a gente chega lá e cruza uma parte dos 10 milhões de turistas que anualmente lotam esse destino, bate aquela vontade de fechar os olhos e imaginar que, pelo menos por alguns instantes, ela é toda nossa.
Fugir das cotoveladas, deixar de enfrentar filas ou não ser enquadrado nas fotos dos japoneses é mesmo difícil. O Vêneto é uma das regiões mais visitadas da Itália e só nos resta aceitar com resignação a ideia que tanta beleza deve mesmo ser compartilhada. Não dá para evitar a multidão, mas se você fugir dos principais pontos turísticos é possível explorar com calma lugares muito interessantes.
Se a sua permanência em Veneza não for limitada a um bate e volta de poucas horas, uma boa pedida é chegar até Murano. Conhecida como “a ilha do vidro”, Murano na verdade é um mini arquipélago, um conjunto de ilhotas unidas por pontes. A maneira mais econômica de chegar até lá é com o vaporetto.
Antes de mais nada, compre o bilhete de transporte público ACTV válido por um 24 horas (20 euros). Com a mesma passagem, no final do dia você pode esticar o passeio até Burano ou outras ilhas menores da Laguna. Com a linha 3 ou 4.2, da parada “ferrovia” em Veneza a embarcação leva cerca de 35 minutos para chegar até lá, mas se puder chegue cedo para não enfrentar uma longa espera na fila desse meio de transporte.
Se o seu ponto de partida for São Marcos, utilize as linhas 4.1 ou 7. Para planejar sem pressa o seu itinerário, sugiro que imprima o mapa do transporte público de Veneza.
Depois do trajeto, provavelmente você descerá na parada Murano Colonna e caminhará pela Fondamenta dei Vetrai. Uma “fondamenta” é a rua que beira o canal. É ali que concentram-se a maior parte das lojas de vidro artístico. Você mal terá tempo para olhar ao redor e, provavelmente, será abordado por promotores de várias fábricas. Até hoje, a manipulação do vidro é a principal atividade econômica de Murano e os turistas são convidados a visitar showrooms e assistir ao vivo a fabricação de algumas peças.
A indústria de vidraria em Murano é antiguíssima. Para evitar eventuais incêndios e limitar a poluição, em 1291 o governo veneziano decidiu que artesãos e fornalhas deveriam ser transferidos até lá. Com o passar do tempo, Murano tornou-se o principal produtor de vidro da Europa e referência indiscutível em objetos requintados e de bom gosto.
Graças à indicação de um amigo veneziano doc, o nosso anfitrião em Veneza, fomos até a chamada Ex Chiesa di Santa Chiara, uma antiga igreja já habitada por monges agostinianos em 1231. No século XIV o edifício de culto foi residência de freiras beneditinas, mas elas foram expulsas de lá por cause de sua má conduta, considerada escandalosa.
Hoje o complexo é um elegante espaço expositivo com venda direta de refinadas peças de vidro. Lá você encontra desde lustres gigantes e objetos de uso cotidiano como copos e jarras até pequenas peças de decoração de diferentes formas.
Geralmente, não há um horário específico para a exibição realizada pelos artesãos. A fábrica aguarda um número mínimo de turistas para a apresentação. Cada pessoa para doze euros e senta-se em uma pequena arquibancada, esperando o início do “espetáculo”. Não uso a palavra “espetáculo” por acaso. Ninguém consegue ficar indiferente diante de uma arte secular e a sensação é aquela que cada movimento seja estudado atentamente com uma precisão cirúrgica.
O artesão fica diante de um forno e de uma mesa com utensílios, ferramentas, cores e minúsculas decorações. Acompanhado por uma música envolvente e movimentos cênicos, o artesão manipula uma massa maleável e incandescente que, devagarzinho, começa a ganhar forma. Adultos e crianças ficam de olhos arregalados diante de mãos hábeis e ágeis. Com a boca, o artesão assopra uma bola de vidro incandescente inserida na ponta de um tubo de aço e dá à ela o formato desejado. Tudo é feito com movimentos rápidos para que o material não caia no chão e tudo é tão natural que a gente até esquece a dificuldade do processo.
Depois da exibição, os turistas podem passear pela loja e admirar vários tipos de criações. Nas fábricas de Murano você compra diretamente dos produtores, mas em outras cidades, antes de comprar qualquer peça, certifique-se que se trata de um artigo realmente artesanal, com garantia de qualidade.
Se você ainda não estiver satisfeito, em Murano você pode visitar o Museo del Vetro (aberto das 10h às 17h de novembro a março e das 10h às 18 de abril até outubo) ou continuar o seu passeio conhecendo outras atrações da cidade. Faça uma foto nas proximidades do Canal Grande e visite a igreja de San Pietro Martire, destruída por um incêndio e reerguida por volta de 1511, e a Basilica dei Santi Maria e Donato, exemplo de arquitetura românica com uma das pavimentações mais antigas de Veneza.