A Abadia de San Galgano e o mistério da espada cravada na rocha
Existem lugares que nos tocam não tanto pelo que têm, mas por aquilo que não têm. A beleza nem sempre está na opulência, nas paredes recobertas de afrescos, mas também pode ser encontrada na essencialidade, na rocha, em uma abadia sem teto onde a imaginação parece poder tocar o céu.
A Abbazia di San Galgano ou Abadia de San Galgano é um dos lugares de culto mais misteriosos e cenográficos da Toscana. Pertence ao comune de Chiusdino, a cerca de 25 quilômetros de Siena, e tem uma longa história.
Para começar, a Abbazia di San Galgano foi a primeira igreja de arquitetura gótica construída na região. Ela foi erguida entre 1218 e 1288 por ordem dos monges cistercienses originários de Casamari (em Frosinone, Lácio).
A escolha do local para a sua construção não foi casual. Sua posição era estratégica graças à proximidade com o rio Merse e a terrenos ideais para a agricultura.
No período medieval, os monges dessa ordem revolucionaram a espiritualidade porque substituíram a vida contemplativa e isolada dos eremitas com uma religiosidade mais próxima às exigências da comunidade local, inclusive aquelas econômicas.
Os monges cistercienses eram juízes, tabeliães, médicos, arquitetos e, inclusive, operários do Duomo di Siena. Seu expoente mais famoso, San Galgano (Galgano Guidotti), era um comerciante de linhagem nobre.
Depois de uma visão do arcanjo Gabriel, ele renunciou à riqueza para se tornar um eremita, refugiando-se em uma cabana em uma colina acima da abadia, local que hoje abriga uma capela circular chamada de Eremo di Montesiepi. Ali, Galgano cravou na pedra a sua espada, formando uma cruz.
Galgano foi declarado santo e exemplo para os cavaleiros cristãos e, segundo fontes históricas, depois de sua morte diversas pessoas tentaram, em vão, roubar sua espada.
No Eremo di Montesiepi foram conservados os braços e as mãos de dois ladrões que tentaram apropriar-se do objeto para vende-lo como relíquia. No local também ficam afrescos de Ambrogio Lorenzetti que contam a vida do santo.
Hoje a espada é protegida por um vidro e análises químicas realizadas pelos italianos Luigi Garlaschelli e Maurizio Calì demonstraram que o metal da espada, assim como os ossos dos ladrões, remontam ao século XII, ou seja, são compatíveis com o período de vida de Galgano Guidotti.
A história da espada na rocha de San Galgano nos faz pensar na lenda de Excalibur e a na espada que o Rei Artur arrancou de uma pedra para provar que tinha direito ao trono da Inglaterra. Existe uma ligação entre elas?
Segundo o estudioso italiano Mario Moiraghi, autor do livro intitulado “L’enigma di San Galgano”, existem evidências históricas que precisam ser analisadas. O ato de canonização do santo é real e sua data è 1185, cinco anos antes que Chrétien de Troyes escrevesse «Perceval», dando origem à chamada Matéria de Bretanha, ligada ao Rei Artur e aos cavaleiros da távola redonda.
Outros fatos relevantes são a similaridade entre o nome Galgano e Galvano (Galvão), um dos cavaleiros da távola redonda e sobrinho de Artur, e a conexão entre a Valle di Merse, parte da Toscana atravessada pela Via Francigena, a estrada que na Idade Média era percorrida pelos peregrinos, principalmente da França (terra do autor Chrétien de Troyes), até Roma e depois para a Puglia, onde existiam portos para embarcar para a Terra Santa.
Os monges cistercienses construíram a abadia em homenagem à San Galgano e o lugar prosperou graças a suas diversas atividades econômicas, até que a carestia de 1329 e peste de 1348 provocaram o seu declínio. No final do século XIV a Abadia de San Galgano foi saqueada. O lugar de culto foi destruído por mercenários e os monges que moravam ali foram transferidos para Siena.
Em 1786 um trovão atingiu o seu campanário, que caiu sobre o teto. A igreja foi desconsagrada em 1789, mas ainda hoje recebe diariamente centenas de turistas encantados com o seu mistério e as belezas de suas ruínas.
Para saber mais, assista o meu video sobre San Galgano no Youtube e assine o canal!
Visitar a Abbazia di San Galgano em Chiusdino poder ser uma boa pedida se você estiver planejando uma viagem de carro até Siena. O local pode ser visitado de novembro a março das 9h às 17h30. Em abril, maio e outubro, das 9h às 18h. Em junho e setembro, das 9h às 19h e em julho e agosto das 9h às 20. Os ingressos custam 4 euros e se você for até lá durante o verão lembre-se de levar um chapéu e uma garrafa de água. A subida até o Eremo di Montesiepi exige fôlego!