O Cimitero delle Fontanelle e o culto dos crânios adotados. Nápoles insólita e secreta.
Com o mapa do centro histórico nas mãos você descobrirá os principais pontos turísticos de Nápoles. No entanto, se você quiser explorar o lado mais surpreendente dessa cidade do sul da Itália, com as devidas precauções, não tenha medo de ir mais além e aventurar-se em seus bairros mais periféricos.
Se você tiver pouco tempo, em um único dia você pode limitar-se a conhecer superficialmente os seus monumentos mais famosos, aqueles citados em todos os guias turísticos, mas para entrar em sintonia com essa metrópole caótica e única reserve pelo menos três dias na capital partenopeia.
Não vou negar que para quem não nasceu e cresceu lá, ao primeiro olhar Nápoles pode parecer uma cidade difícil, talvez indigesta. Nem todo mundo aceita facilmente o seu trânsito desordenado, seu caráter intrusivo, barulhento, o fascínio decadente de seus palácios históricos, a poluição visual das roupas estendidas sem vergonha nos varais muitas vezes posicionados nas calçadas.
Para quem não sabe, em Nápoles é comum encontrar imóveis chamados de “i bassi” ou, em dialeto, de “‘o Vascio”. São casas no térreo, com portas com acesso direto para a rua. Por isso, circulando pela periferia, não é raro caminhar pelas calçadas e ter a sensação de invadir a propriedade alheia. Como em qualquer outra cidade grande, fique de olhos abertos mas não deixe que o medo te impeça de viver a atmosfera local. Nápoles pode sim ser contagiante!
Estive várias vezes na cidade e na última delas decidi seguir um itinerário insólito, fora dos clássicos percursos turísticos. Uma de minhas metas foi o Rione Sanità, bairro que pulsa e que coleciona belezas como o Palazzo dello Spagnuolo e o Palazzo San Felice, murais de street art, mercados ao aberto e algumas das melhores pizzarias e docerias da cidade. Para dicas gulosas, não deixe de ler o post Onde comer em Nápoles. O street food que faz bem ao paladar e ao bolso.
Circulando pelo bairro você provavelmente será interceptado por olhares curiosos. Encontrará garotos que, sem capacetes, fazem malabarismos para circular em três em suas motos. Escritas nos muros que exaltam o Nápoles e incentivam a rivalidade entre times de futebol do norte e do sul da Itália.
Nessa área nasceu o famoso cômico italiano Totò e no Rione Sanità também ficam algumas das catacumbas mais interessantes da cidade, como as Catacombe di San Gennaro e o ossário chamado de Cimitero delle Fontanelle. Se trata de um lugar que une o sacro e o profano. Lúgubre e, ao mesmo tempo, comovente.
Graças ao trabalho de um padre, Don Antonio Loffreddo, os jovens do bairro são aqueles que alimentam o novo “fermento cultural” do Rione Sanità, promovendo, em parceria com cooperativas, passeios guiados entre as suas atrações. Uma fórmula que combina valorização do patrimônio histórico e artístico e revanche social.
O Cimitero delle Fontanelle era uma antiga pedreira de tufo transformada em ossário em meados do século XVII. O local servia para abrigar os restos mortais das vítimas de epidemias frequentes de peste (a mais devastante em 1656) e de cólera, em 1836: as chamadas anime pezzentelle ou almas pobres.
No final do século XIX, a pedreira tornou-se um local de culto e os devotos do bairro organizaram os milhares de ossos presentes em seu interior. Sãos 3 mil metros quadrados ocupados por cerca de 40 mil restos mortais, mas o espaço da pedreira é bem maior, cerca de 30 mil metros. É realmente impressionante!
Em troca de proteção, os fiéis começaram a “adotar” os crânios dos defuntos anônimos. Principalmente no período do pós-guerra, cada crânio eram quase um “santo pessoal” dos napolitanos, que atribuíam um nome para reconhecê-lo entre tantos outros e o posicionavam dentro de uma urna de vidro, de mármore, ou em qualquer outro expositor.
O fenômeno das anime pezzentelle se divulgou rapidamente e, temendo que um culto paralelo pudesse prejudicar aquele católico, no final da década de 60 o local foi fechado ao público e reaberto bem mais tarde, em 2010.
Ainda é comum encontrar no local objetos deixados pelos devotos sobre os crânios: desde moedas até flores e rosários. O cemitério, inclusive, tem o seu crânio mais popular entre os napolitanos, aquele de Donna Concetta, mais conhecida em dialeto como “a capa che suda”ou a cabeça que sua.
Sua peculiaridade é que o crânio é brilhante, talvez porque conserve a umidade da pedreira subterrânea, mas para os fiéis é um sinal do suor das almas do purgatório. Até pouco tempo, acreditava-se que se tocando o crânio sua mão se molhasse você receberia uma graça, mas hoje o crânio encontra-se dentro de um expositor e inacessível aos visitantes.
Atualmente, o Cimittero delle Fontanelle pode ser visitado gratuitamente por conta própria ou com os acompanhantes da Cooperativa La Paranza. Para visitas guiadas que percorrem um itinerário pelo chamado Miglio Sacro, explorando os lugares místicos do Rione Sanità, consulte o site da associação Catacombe di Napoli (www.catacombedinapoli.it).
Ao contrário do que parece, o culto das anine pezzentelle não é macabro, mas algo que reflete a cultura napolitana; um misto que não conhece uma fronteira perfeita entre sacro e profano.
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