O Cristo Velato e a misteriosa Cappella Sansevero em Nápoles

Em uma aparente esquina qualquer do centro de Nápoles, vários turistas tentam driblar o tempo de espera em uma longa fila.

Há quem se distraia no celular, quem aproveite para fazer um telefonema adiado tantas vezes. Quem abraça forte o namorado enquanto troca confissões. Que personalidade merece tanto o nosso bem mais precioso, o tempo?

Não, a fila não é para encontrar nenhum cantor romântico ou “neomelodico” (muito apreciados na cidade) ou o ator de uma histórica série de TV gravada na capital parteneopea: Un posto al sole, que os fãs da RAI International provavelmente já devem ter assistido.

A fila na Via de Santics Francesco é para entrar no Museo e Cappella Sansevero, local que conserva uma das esculturas mais famosas de Nápoles: o Cristo Velato, em italiano, ou Cristo morto, em português.

Assim como outras esculturas italianas, ela é capaz de atrair multidões. Para os napolitanos, o Cristo Velato é  tão importante quando o Davi, de Michelangelo, para os florentinos, ou O rapto de Proserpina, de Bernini, para os romanos.

A atração que ela exerce é tanta que até o famoso escultor italiano Antonio Canova chegou a afirmar que teria dado dez anos de vida para ser o seu autor.

A obra realizada em mármore por Giuseppe Sammartino impressiona pelo seu realismo e por sua qualidade técnica. O corpo da estátua de Cristo é recoberto por um sudário esculpido em um único bloco de mármore. Ao observá-la, temos a sensação de que o  véu não é feito dessa rocha metamórfica, mas de um tecido fluido que envolve perfeitamente as formas do corpo.

A obra de Sanmartino é tão perfeita e o véu tão transparente que até hoje uma lenda envolve a execução da escultura.

O Palazzo e Cappella San Severo eram propriedades dos Sangro de San Severo e o membro mais controvertido da família era o príncipe Raimondo di Sangro. Ele era um alquimista com fortes ligações com o mundo da maçonaria e chegou a ser excomungado por suas experiências com corpos humanos.

Na cripta da capela os visitantes encontrarão as chamadas “máquinas anatômicas” estudadas pelo príncipe e por Giuseppe Salerno. São dois esqueletos, um masculino e outro feminino, que conservaram íntegros o sistema cardiovascular. Imagens impactantes que não deixam os turistas indiferentes. Ninguém sabe ao  certo como foi possível solidificar o sangue dos esqueletos, mas alguns teóricos acreditam que eles tenham injetado mercúrio nas veias dos cadáveres.

O príncipe de Sansevero quis que a capela fosse decorada com obras de significado esotérico porque ali seriam enterrados os membros de sua família. Inclusive, há quem afirme que em seu interior existam vários símbolos ligados à Cabala.

A própria escultura do Cristo Velato não ficou imune a comentários sobre suas origens. Para muitos, o príncipe Raimondo teria orientado o escultor Sanmartino a realizar o sudário de mármore seguindo uma técnica secreta de alquimia.

Outras esculturas famosas na capela são “Pudicizia”, de Antonio Corradini, uma obra que representa uma mulher de formas generosas rigorosamente coberta, e “Disinganno”, representação de um homem que se livra do pecado e que o príncipe Raimondo dedicou ao pai, protagonista de uma vida aventurosa e descontrolada para os padrões da época. A rede esculpida no mármore que recobre a figura principal da escultura é surpreendente.

Quem visita a Cappella San Severo entra em seu ambiente com muitas perguntas e sai de lá ainda sem respostas, mas com os olhos arregalados. Poucos parecem importar-se se a fama do príncipe era ou não verdadeira, mas ninguém dúvida que as mãos e a mente humana são mesmo insuperáveis. Até para os autômatos mais avançados.

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