Dicas de Praga. A cidade da Revolução de Veludo em contínua metamorfose

Entre as capitais europeias que já visitei, Praga foi uma das mais difíceis de serem “metabolizadas”, entendidas. Você não pode desvendá-la com a superficialidade de quem, por exemplo, antes de começar um livro corre para ler o seu epílogo.

Praga é uma cidade composta por camadas de história e só voltando no tempo a gente compreende o que ela é hoje.

Cruzando com carros de luxo,  boutiques de alta moda, redes de fast food, hotéis refinados, bancos e locais noturnos da Praga moderna, cosmopolita e consumista, é impossível não pensar na profunda transformação da cidade. No tempo em que o país ainda era a antiga Tchecoslováquia. Da conivência com o regime nazista e, com o fim da Segunda Guerra Mundial, na submissão ao bloco comunista soviético. Uma capital que hoje reluz e que ontem era “escuridão”.

Dia 17 de novembro é o momento de relembrar a chamada Revolução de Veludo e esse é um bom momento para pensar em um bate-volta ou um fim de semana na capital tcheca.

Uma maneira de conhecer a fundo a alma de Praga economizando as suas coroas tchecas (czk, no momento da redação desse post 1 coroa equivale a 0,039 euros) é participar de um free tour, passeios guiados que, diariamente, saem da Old Town Square, na esquina da Pařížská Street, às 10h, 11h, 12 e 15h. O tour é gratuito, mas no final do passeio, se tiver apreciado o serviço, você pode decidir quanto ele vale a pena ser recompensado. Cada turista paga aquilo que achar justo. É uma espécie de gorjeta em troca de informações preciosas e curiosidades sobre a cidade.

Eu participei de um free tour em italiano que durou mais de duas horas por Staré Město ou a Cidade Velha, mas também existem tours em outros idiomas. No final do percurso, os guias informam os participantes sobre outros passeios a pagamento e eu gostei tanto da experiência que, no dia seguinte, acabei aderindo ao tour pela cidade nova e não me arrependi.

A interação com quem conhece profundamente a capital nos permite ir além das aparências. Confesso que, inicialmente, no contato diário com os locais, a primeira impressão pode ser aquela de frieza, de pouca empatia.

Só que “rebobinando” a história de Praga entramos em um cotidiano a base de espiões, informadores, dupla identidade, torturas e prisões políticas que faziam estremecer qualquer um durante a cortina de ferro. A suposta frieza do leste europeu pode e deve ser perdoada.

Em 1968, alavancado pelo fermento do maio francês, a cidade foi palco da Primavera de Praga, um levante na tentativa de liberalização política e econômica que culminou com uma invasão por parte das forças do Pacto de Varsóvia.

Apesar da censura ter sido banida e dos presos políticos liberados, o país continuou sob a rígida influência do regime comunista e assistiu a cenas que dificilmente serão apagadas da memória tcheca. O nome Jan Palach te soa familiar? Ele foi um estudante que em 1969, como protesto contra a invasão soviética, imolou pelo fogo nos degraus do Museu Nacional, na Praça Venceslau.  Ele tornou-se símbolo da resistência antisoviética e da Primavera de Praga.

O palco principal das manifestações políticas na cidade sempre foi a Praça Venceslau, que na verdade, não é exatamente uma praça mas uma espécie de boulevard rodeado de cafeterias, restaurantes e lojas. No centro dessa extensa avenida de 750 metros fica um monumento a Jan Palach, onde tchecos e turistas do mundo inteiro deixam flores e mensagens de afeto. O sacrifício do jovem estudante foi reconhecido como tal?

Os anos se passaram e em 1989, a mesma Praça Venceslau foi cenário de uma grande manifestação contra a violência da polícia local que tentava reprimir os protestos contra o comunismo. No mesmo ano da queda do muro de Berlim, os tchecos deram origem a chamada Revolução de Veludo, a insurreição que, no dia 17 de novembro, resultou na independência da ex União Soviética. A data passou a ser feriado nacional e o dramaturgo e dissidente Václav Havel foi eleito presidente da Tchecoslováquia.

Praga é como a literatura de Kafka. Em contínua metamorfose. Em 1993 a Tchecoslováquia deixou de existir. Deixou para trás o seu passado filo-soviético e, flertando com Ocidente, em 2004 a República Tcheca entrou para a União Europeia.

A cara de quem se perdeu entre as consoantes…

Aos olhos de quem nasceu no Brasil,  um país jovem para os padrões europeus, entender o peso de um longo passado atormentado pode ser tão difícil quanto pronunciar uma frase em tcheco. Procuramos em vão por algo familiar, como as vogais em meio  a tantas consoantes.  Mas quem disse que só  o que nos assemelha é justo?

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