Informações práticas

Diga-me seu sobrenome e te direi quem és. Pesquisa genealógica reconcilia famílias com o próprio passado

Até mesmo uma personalidade como Papa Francisco pode descobrir algo surpreendente sobre seus familiares nascidos na Itália

Quando desembarcavam no porto de Ellis Island, nos Estados Unidos da América, em Santos, no Brasil, ou então no Hotel de Inmigrantes, hoje museu em Buenos Aires, mas até a década de 50 estrutura onde eram identificados os emigrantes que desembarcavam no país, centenas de italianos cediam, involuntariamente, parte da própria identidade.

No momento da transcrição, sobrenomes podiam perder uma de suas consoantes. Não era raro que cidades de nascimento, local de proveniência ou filiação fossem escritos erroneamente.

Pesquisa genealogica

Os rostos de parentes queridos deixados na Itália eram gravados em uma memória que, com o passar das décadas, à distância, não acompanhava a evolução nem reconhecia as rugas daqueles que envelheciam.

Poucos eram aqueles privilegiados que partiam da Itália levando consigo fotografias na bagagem.

Como em um quebra-cabeça, a trajetória pessoal de Trevisan, Dall’Antonia ou Cini só começam a ganhar forma, a se encaixar, quando um de seus descendentes decide descobrir as próprias origens; uma missão que exige uma boa dose de esforços e paciência.

Estima-se que no mundo existam cerca de 80 milhões de oriundi e muitos deles, por motivos afetivos ou práticos – como a obtenção da cidadania italiana – buscam suas raízes.

A pesquisa genealógica não é uma ciência exata e não costuma gerar resultados imediatos, mas respeitando algumas regras as chances de obter sucesso na busca de documentos de antepassados é bem maior.

Nos últimos dias 20 e 21 de novembro a cidade de Matera, no sul da Itália, foi palco da segunda edição de Roots in, Fórum Internacional do Turismo de Origens.

Pesquisa genealogica

Durante o evento, a genealogia foi um dos temas centrais do painel “Os guardiões das Raízes: uma viagem por espaços museológicos e figuras profissionais para reconstruir a história das famílias italianas”.

Michele Cartusciello, diretor do Museo del Cognome (Museu do Sobrenome), em Padula, conta que ele mesmo se tornou um genealogista depois de fazer inúmeras perguntas sobre seus antepassados aos seus familiares. Ele sublinha o quanto é complicado ter acesso aos arquivos civis e das paróquias italianas porque não existem regras unívocas para consultar cada um deles.

Alessandro Bovino, proprietário da empresa Bella Italia Genealogy, explica que o multiplicar-se de pessoas que oferecem a busca de documentos sem uma sólida experiência, improvisando-se genealogistas, dificulta o percurso dos verdadeiros profissionais.

Para aqueles que desejam saber mais a respeito de seus antepassados, Alessandro sugere que a pesquisa comece com as fontes históricas e familiares. “É preciso levar em conta dados pessoais, territoriais e temporais”.

painel genealogia Roots IN

Entrevistas a parentes que revelem suas recordações, fotografias, cartas e anotações podem ser grandes aliados na pesquisa genealógica. Em seguida, arquivos de prefeituras (archivi comunali), estaduais (archivi di stato), de cartórios (archivi notarili), documentos ou registros conservados em paróquias como certidões de nascimento, casamento, censo com dados demográficos ou livros de hospitais e cemitérios também podem ser úteis.

Apesar da digitalização de grande parte dos arquivos italianos, uma dificuldade comum enfrentada pelos brasileiros que procuram informações sobre seus antepassados é entender a divisão temporal que, por exemplo, classifica os registros do período pré e pós unificação da Itália.

Tatiana Flory, por exemplo, não tinha muitas informações a respeito de sua  bisavó. Mesmo assim, descobriu que ela nasceu em Polignano a Mare, na Puglia, consultando o registro de estrangeiros presente na Secretaria Pública de Segurança. “Antes disso, cada pessoa da família dizia que ela havia nascido em um lugar diferente. Chegaram a afirmar que ela poderia ter nascido na França, mas isso porque ela teria partido do porto de Marseille”, conta.Em  seguida, ela consultou o portal antenati.cultura.gov.it e contratou os serviços de uma agência italiana para organizar um tour genealógico por Polignano a Mare.

Durante o evento Roots in, Paolo Masini, Presidente do Museo Nazionale dell’Emigrazione Italiana (MEI) afirmou que “o museu inaugurado em 2022, em Gênova, é o maior projeto de narração popular do país”.

Pesquisa genealogica

Nesse espaço moderno e tecnológico a Itália repercorre a história de centenas de emigrantes, episódios de pouca tolerância e as dificuldades enfrentadas por tantas famílias.

Cada documento não é só um simples pedaço de papel, mas uma peça única que  acrescenta mais um pedaço ao quebra cabeças genealógico, muitas vezes revelando algo inédito ou surpreendente.

Todos sabem que o Papa Francisco tem origens italianas. Seus avós Giovanni e Rosa, viviam na província de Asti, no Piemonte, e embarcaram para a Argentina em 1929, junto com o filho, Mario Bergoglio. O que nem todo mundo sabe é que o futuro pai do Papa tinha um emprego antes de partir. Ele era um funcionário da filial de Asti da Banca d’Italia, o banco central italiano.

No arquivo do departamento de recursos humanos do banco foram encontrados documentos que confirmam que ele teria sido contratado em 1926, no departamento de Contabilidade, e que tinha conduta exemplar. Como descrito em uma ficha com seu nome “provou ser muito diligente e trabalhador e sua produtividade era digna de elogios. Era assíduo, gentil, e merecia  um aumento de salário ao cumprir o primeiro ano de trabalho”.

“Levamos esse documento para o Papa Bergoglio e ele se emocionou ao ler aquelas palavras sobre seu pai”, lembra o diretor do Museo Nazionale dell’Emigrazione Italiana.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *