Na Itália, casa é onde se pega um trem
Casa é onde se pega um trem rumo ao sul. Há anos o mundo debate temas com o ócio criativo, a automação, o smart working e a inteligência artificial. Só que em pleno século XXI ainda existem trabalhos que exigem a presença física, o esforço braçal ou a supervisão humana.
A protagonista da história de hoje é Giuseppina Giuliano, uma jovem de 29 anos residente em Nápoles que conseguiu um emprego de inspetora de alunos em Milão, a quase 800 quilômetros de distância.
Com a impossibilidade de pagar um aluguel em uma metrópole cara como Milão, ela dedica horas pesquisando antecipadamente ofertas de tarifas ferroviárias. E assim, é uma pendolare. Va e viene. Vai e vem diariamente.
O seu não é um caso isolado. Inúmeros italianos enfrentam uma situação similar e a tendência é que as estatísticas aumentem. O governo italiano tornou mais rígidos os critérios para a concessão do chamado reddito di cittadinanza, subsídio econômico para desempregados.
Antes, a norma estabelecia que era a oferta de trabalho deveria contemplar uma distância máxima de 80 quilômetros ou percorrida em até 100 minutos com meios de transporte públicos. Agora, quem recusar qualquer oferta de emprego, mesmo que seja na parte oposta da península, perderá automaticamente o direito ao subsídio.
A questão provocou um grande debate em solo italiano. Vozes esbravejaram contra a indolência da juventude italiana e a suposta e estereotipada inércia do sul da Itália, invocando a prevalência da sociedade da meritocracia. Só esquecemos que uma sociedade só progride estendendo e não subtraindo direitos.
Antes do boom econômico, emigrar do Sul para o Norte da Itália era uma constante. Um sucesso empresarial como a FIAT só foi possível graças á mão de obra dei meridionali.
Ainda me lembro que um dos primeiros filmes italianos que assisti em um cineclube no Brasil foi Rocco e seus irmãos, de Lucchino Visconti. A diferença é que antes era o inteiro núcleo familiar que se deslocava. Hoje isso é bem mais difícil.
Giuseppina, sem querer, se tornou alvo de inúmeras críticas e considerações. Há quem diga que é impossível gastar em um mês, de trem, menos do que se pagaria para um miniapartamento na periferia milanesa. Ela declara que gasta, em média, 400 euros mensais de transporte.
Há também quem lembre que depois de viajar nove horas por dia provavelmente sua capacidade de atenção seja comprometida.
No entanto, o nó da questão é que o trabalho é um dos temas principais da Constituição Italiana, que assegura que deve ser compatível com a dignidade humana.
Giuseppina é o rosto atual de tantos outros italianos que não se sentem plenamente tutelados e que usa os momentos de ócio, no trem, já a procura daquele do dia seguinte.