Narni, Úmbria: por que você vai se encantar com essa cidade medieval

Narni, anote esse nome. Eu sei que fazer uma seleção de metas prioritárias para encaixar em um roteiro na Itália não é uma tarefa simples.

Só um país que ostenta 55 sítios classificados como patrimônio da humanidade pela Unesco pode dar-se o luxo de atribuir à Úmbria o papel de coadjuvante entre as regiões da Itália central.

Há anos a mídia internacional exalta as belezas de metas mais populares, esquecendo que “o coração verde da Itália”, como é conhecida a Úmbria, é um concentrado do que o país oferece de melhor: séculos de história, arte, vilarejos medievais, riachos cristalinos, religiosidade (a terra de São Francisco de Assis e São Bento de Norcia) e misticismo, áreas agrícolas que produzem alguns dos melhores azeites e vinhos, a tradição da “norcineria” (embutidos), estilo de vida simples, comida farta e superlativa.

Provavelmente, na era pós-pandemia a procura por centros menores e mais autênticos ditarão as regras do novo turismo; aquele de ritmo pausado e que te permite viver várias experiências singulares em um único lugar.

Sem fazer grandes deslocamentos, vale a pena saber que a cerca de 80 quilômetros de Roma você encontra uma cidade onde você pode apreciar plenamente o conceito de slow tourism: Narni. Esse nome parece familiar? Narni está situada na província de Terni, não distante das famosas cachoeiras das Cascate delle Marmore.

Antigamente, Narnia foi o nome dado pelos romanos a essa cidade e é possível que você já tenha lido algo a respeito de “As Crônicas de Narnia“. Apesar de fictícios, muitos elementos que caracterizam essa obra são associados à Narni. Alguns deles são o leão presente no Palazzo Comunale que lembra Aslan, o castelo que lembra a Rocca Albornoz, as águas do Rio Nera e o glifo que decora o emblema de Narni.

A cidade fica sobre uma colina, a cerca de 240 metros de altura, e parece empoleirada sobre a rocha. Saindo de Roma, você pode chegar até lá de carro, percorrendo a rodovia A1 na direção de Firenze e pegando a saída para Orte, ou de trem, alternativa mais econômica (atualmente a passagem custa 6,25 euros), descendo na estação de Narni-Amélia.  De lá, será necessário pegar um ônibus até o centro histórico.

Dá para fazer um bate e volta até lá? Até dá, mas eu acho que essa parte da Itália combina com o turismo sem pressa, e pernoitando lá você terá a chance de fazer diversos passeios incríveis e se esbaldar com a melhor comida.

A cidade de Narni é palco de uma rica agenda cultural

Para começar, vale a pena saber que essa cidade tem uma agenda cultural riquíssima como um festival de teatro e o Narnia Festival com dança, música e arte, entre outros.

O dramaturgo e contador d histórias, Ascanio Celestini, durante o evento Narni Città Teatro

Seu evento mais importante é a chamada Corsa all’Anello, uma reconstituição medieval que acontece durante a celebração de San Giovenale, padroeiro da cidade. Esse festival remonta a 1371 e antes da pandemia era realizado entre o final de abril e o início de maio. Em 2021, excepcionalmente, a celebração acontecerá de 27 de agosto até 5 de setembro.

Durante o evento, os cavaleiros que representam os três “terzieri” ou bairros de Narni tentam acertar com suas lanças um anel de metal suspenso.

Com suas ruelas estreitas, lampadários antigos e suas construções de pedra, Narni é o cenário perfeito para uma festa medieval, sem a necessidade de qualquer “maquiagem”.

Durante a festa medieval, também é previsto o desfile de cerca de mil figurantes e um mercado ao aberto, em sua praça principal, com produtos típicos, a reconstrução de antigas profissões, a bênção dos cavaleiros, música da Idade Média, as ruas decoradas com tochas e bandeiras, e a abertura das “hostarie ou taberne”, para degustar pratos tradicionais e colaborar indiretamente com o financiamento da festa.

De norte a sul, existem muitas festas desse tipo na Itália, aquelas conhecidas como “rievocazioni storiche”, mas poucas, como aquela de Narni, são tão verossímeis e recriam com fidelidade a atmosfera medieval.

Tive a chance de visitar as sedes dos três “terzieri” e conferir de perto a dedicação com a qual os moradores voluntários de cada bairro realizam a mão os trajes tradicionais do desfile de acordo com a iconografia da época e exibem com orgulho o prêmio “Bravio per il miglior Terziere”, tecido de prestígio pintado por um artista contemporâneo.

Narni é o emblema de cidade que soube se requalificar, preservando o seu passado, mas com o olhar de quem já pensa no futuro. Para valorizar as belezas naturais de seu território sem provocar danos ao meio ambiente, a antiga ferrovia da cidade foi transformada em um percurso cenográfico que pode ser percorrido a pé ou de bicicleta.

Os trilhos foram removidos e mesmo quem não é acostumado a praticar esportes pode caminhar por esse percurso que começa em proximidade dos restos de um aqueduto de mais de dois mil anos (projetado por Augusto em 27 a.C) e atravessa cenários que inspiraram os “plenaristas”, ou seja, pintores que realizavam telas “en plein air”, ao aberto.

Nas margens do rio Nera, o turista passa por galerias e fontes até chegar ao gracioso vilarejo de Stifone, banhado pelas águas do rio. Suas águas com tons de verde esmeraldo e azul-turquesa são tão inspiradoras que a gente pensa na hora que aquela é uma paisagem que dispensa retoques.

Nessa mesma trilha a gente enxerga, no alto, o complexo religioso da Abbazia di San Cassiano. O local mais parece um eremita, isolado do mundo e circundado pelo silêncio da vegetação local.

Narni é a terceira cidade da Úmbria por extensão e concentra inúmeras atrações. Na parte mais alta da cidade fica a Rocca Albornoz. O local, construído por volta de 1370 e que leva o nome do cardeal que a encomendou, é usado para eventos, inclusive festas de casamento, e exposições e do alto de suas torres é possível apreciar uma vista panorâmica da cidade.

Em seu centro histórico, é difícil ficar imune à beleza de seus edifícios, inclusive religiosos.

Além de sua catedral, dedicada a San Giovenale, não deixe de visitar a Igreja de Santa Maria Impesole, erguida em 1175, e cujo nome “em pensulis”, deriva da sua localização em um terraço e a igreja de San Francesco, com pilares recobertos de afrescos.

Ao lado dela fica o Palazzo Eroli, antiga residência da família homônima que funciona como museu e abriga uma exposição arqueológica e uma atração imperdível, a chamada “L’incoronazione della Vergine”, de Domenico Ghirlandaio.

No mesmo local você também se surpreenderá ao encontrar um pedaço de Egito na Úmbria. No museu ficam uma múmia e um sarcófago que foram trazidos para Narni, na década de 20, por Edoardo Martinori, viajante e personalidade excêntrica que na cidade também construiu um minarete. Acredita-se que a múmia tenha sido encontrada na antiga cidade de Edfu e ainda hoje se discute que talvez a múmia seja aquela que inspirou a ópera lírica Aida, de Giuseppe Verdi.

Ainda no centro, na Igreja de Sant’Agostino o destaque é o afresco de Pier Matteo d’Amelia em 1482, o mesmo artista que em Roma realiza o céu estrelado do teto da Capela Sistina antes que ele seja recoberto pelos afrescos de Michelangelo.

Passeando pelo centro histórico você também notará a Piazza dei Priori, que de um lado abriga o Palazzo dei Priori com suas arcadas e uma grande torre, e do lado oposto o Palazzo Comunale ou del Podestà, sede da prefeitura, cuja fachada é decorada com esculturas em alto relevo.

Como se tudo isso não bastasse, a atração que mais me surpreendeu na cidade foi a Narni subterrânea.

Graças as suspeitas de um senhor que cuidada de suas plantas e que notou uma abertura insólita em seu terreno, um grupo de espeleólogos descobriu em Narni um “mundo secreto”. Além de encontrar os restos de uma igreja do século XII, eles descobriram salas onde aconteciam os interrogatórios realizados pelo Tribunal da Inquisição. Essa sala, conhecida como Sala dei Tormenti, é descrita em documentos encontrados nos arquivos do Vaticano e naqueles do Trinity College, de Dublin.

É tocante encontrar no local instrumentos de tortura e masmorras onde eram mantidos os prisioneiros acusados, por exemplo, de heresia, poligamia ou apostasia. Nas celas, ainda hoje é possível encontrar frases, símbolos esotéricos, datas e nomes de personagem que contam suas histórias.

A visita guiada dura cerca de uma hora e meia, mas deve ser reservada antecipadamente. O custo é de 7 euro por pessoa.

Uma visita até Narni não é completa sem provar a gastronomia local, farta e pensada para food lovers. A massa típica da cidade é chamada de “manfricoli” e ali ingredientes como as trufas negras e a carne de javali nunca faltam. Entre os pratos de carne, a especialidade de Narni é a Faraona alla Narnese, a galinha d’angola recheada. Entre os vinhos, aquele que você não pode deixar de provar é o Ciliegiolo das melhores cantinas locais, como aquela de Leonardo Bussoletti. Entre os restaurantes, sugiro o Il Fondaco e o Mamarama, no centro da cidade.

Percebeu quanta riqueza em um único território e por que a Úmbria merece ser incluída em seu roteiro? 

Para hospedar-se:

Agriturismo Casafè, tra sogno e realtà (Via Capitonese, 257): estrutura no meio da natureza, que inclui piscina e uma vista linda da cidade de Narni.

Para comer:

Fondaco (Via del Campanile, 2)

Mamarama (Piazza dei Priori, 13)

I Ghibellini (Vicolo Belvedere, 4)

La Gallina Liberata (Vicolo Belvedere, 13)

Para organizar a sua permanência em Narni:

Turismo em Narni: www.turismonarni.it

Narni sotterranea: www.narnisotterranea.it

Corsa all’anello: www.corsallanello.it

Narnia Festival: www.narniafestival.com

Para passeios na região: www.dreavel.com