
O “mercado” dos passaportes italianos que incomoda muita gente
O tema é polêmico, principalmente agora, no momento no qual a Europa inteira reflete sobre um conceito de união que vai além daquela monetária: o sentir-se europeu, reconhecer-se em uma “família” comunitária, com uma identidade e valores em comum.
Ontem, o programa jornalístico Presa Direta, da TV estatal RAI 3, transmitiu uma reportagem sobre o crescimento significativo do número de concessões de cidadania italiana por iure sanguinis a brasileiros residentes no exterior.
Segundo os dados ISTAT de 2023, das 61.328 concessões de cidadania italiana, mais de um terço referiam-se à descendência de sangue. Entre 2021 e 2023, o número de pedidos de cidadania cresceu cerca de 131% e diversos “comuni” da Itália foram literalmente invadidos por pastas com documentos relativos à cidadania de brasileiros que precisam ser transcritos no registro civil.
A reportagem focalizou-se principalmente na região do Veneto, mais especificamente em Val di Zoldo.
Essa cidade com pouco mais de 3 mil residentes notou um incremento exponencial no número de cidadãos inscritos na AIRE (Anagrafe Italiana Residenti all’Estero). Dos 800 registrados nessa lista, mais da metade são brasileiros que obtiveram a cidadania por via judicial, não falam italiano e provavelmente nunca estiveram na Itália.
O prefeito, em sinal de protesto, exibiu uma bandeira brasileira na janela da prefeitura, sublinhado que não é contrário à concessão da cidadania aos oriundi, desde que o seu objetivo final não seja somente a obtenção do passaporte, mas que eles fixem residência na Itália e contribuam, inclusive economicamente, com o sistema país.
Atualmente, somente quatro cidadãos brasileiros moram em Val di Zoldo.
A maior criticidade da lei sobre a cidadania iures sanguinis de 1992, segundo juristas, é não estabelecer um limite geracional para a obtenção desse tipo de cidadania. Entrevistado, o professor Sandro De Nardi, da Università di Padova, sublinha que a lei contém traços de inconstitucionalidade já que cria grande disparidade entre descendentes por direito de sangue e filhos de estrangeiros nascidos na Itália, que precisam demonstrar que vivem no país ininterruptamente por 18 anos para solicitar o direito à cidadania italiana.
Ele explica que essa discrepância coloca em risco, inclusive, o conceito de povo e a sua soberania, já que descendentes nascidos no exterior têm direito de voto e podem incidir no futuro de poliíticas publicas e questões cruciais para a sociedade italiana.
Somente o Tribunal de Veneza trata anualmente cerca de 30 mil pedidos de cidadania, que se tornou um fenômeno comercial não indiferente, um negócio lucrativo para diversos escritórios de advocacia.
Há anos se discute sobre uma eventual reforma justa da cidadania e uma das últimas propostas é aquela do atual Ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, que prevê a concessão da cidadania a estrangeiros que completam com sucesso um ciclo de estudos de dez anos na Itália. Qual sua opinião a respeito?